FREVO, FUTEBOL, BOLA E SOMBRINHA (09)

 

Foto: Reprodução


A rivalidade saiu do estádio e chegou ao salão



LENIVALDO ARAGÃO



Recife, Carnaval de 1975. Ao entrar no Clube Português, na noite da segunda-feira, o presidente Carlos Costa, o conhecido Cotinha, alto funcionário do Banorte, na época, uma das mais importantes organizações bancárias do Brasil, tremeu nas bases.  Uma  parte da decoração do clube,  com motivos carnavalescos, estava coberta por enormes bandeiras do Náutico, Santa Cruz e Sport.
Pendendo dos camarotes situados no primeiro andar, os símbolos do chamado Trio de Ferro davam um colorido especial à festa, mas ao mesmo tempo deixavam no ar um certo prenúncio de tempestade.

Torcedor do Náutico, mais que depressa Carlos Costa conversou com os regentes das duas orquestras contratadas para animar o baile, proibindo a execução de qualquer música que dissesse respeito aos três times. Uma medida, à primeira vista antipática, uma vez que o Português é um clube absolutamente neutro em termos de futebol e abriga as três castas que dividem os amantes do futebol em Pernambuco. Mas o experiente dirigente do clube da Praça do Entroncamento estava certíssimo. Tempos depois, em entrevista a mim concedida, o então presidente do Português dizia:

– Parecia uma praça de guerra, e se não tivesse tomado aquela providência, haveria muitas brigas. Era uma fase em que a torcida do Sport estava impossível, empolgada com a formação do time que passou a ser chamado de Seleção do Nordeste. E as outras torcidas não queriam ficar por baixo.

O Clube Português de todas as torcidas (Foto: Reprodução)


DE HEPTA-VICE A SELEÇÃO DO NORDESTE

O Sport estava entrando no décimo terceiro ano sem comemorar o título de campeão pernambucano, vendo os rivais fazerem a festa: Náutico – 1963-64-65-66-67-68 (hexacampeão), Santa Cruz – 1969-70-71-72-73 (pentacampeão), e Náutico-1974.

Os torcedores adversários, na gozação, já começavam a chamá-lo de Leão XIII, referindo-se a um papa que esteve à frente da Igreja Católica, de 1878 a 1903, e ao time da Usina Catende, ao qual foi dado o nome daquele antigo chefe do catolicismo. No máximo, o Leão da Ilha podia se gabar, se é que havia motivo para isso, de ser heptavice, pois durante sete anos seguidos fora vice-campeão.

Foi quando o arquiteto Jarbas Guimarães assumiu a presidência do clube, disposto a levá-lo a tirar o pé da lama de qualquer maneira, inclusive, se indispondo com parte da imprensa esportiva. Fez valiosas contratações, tendo o centroavante Dario, o Dadá Maravilha, como carro-chefe. Náutico e Santa também tinham boas equipes, o que fez a rivalidade recrudescer, mas o objetivo do Sport terminou sendo alcançado.

CLIMA DE GUERRA

Foi salutar a providência de Carlos Costa, sem dúvida, uma vez que nas duas noites anteriores o tempo andara esquentando por causa da guerra das torcidas, tudo em função da velha rivalidade entre Náutico e Sport, que vem desde as tradicionais regatas no Rio Capibaribe e dos primórdios do futebol em Pernambuco, no início do século passado.

Houve um momento no domingo carnavalesco em que a orquestra tocou o Come e Dorme, do Náutico, e um torcedor rubro-negro subiu ao palco para exigir a execução do “Cazá, Cazá”, que glorifica o Sport. Trata-se de dois frevos-de-rua compostos pelo imbatível Nelson Ferreira, que não torcia por nenhum dos dois, porquanto era tricolor.
Até os irmãos Reginaldo, na época conselheiro do Sport, e João de Deus Ribeiro, dirigente do Náutico, que ocupavam camarotes vizinhos, cada qual com a bandeira do respectivo clube, terminaram se estranhando.

Pedro de Paula Barreto, Pedrão, naquele tempo componente do Conselho Deliberativo do Náutico e um dos advogados da Dom Vital, a transportadora da qual os irmãos Reginaldo e João de Deus eram diretores, estava no recinto alvirrubro. Ele lembrou um incidente surgido a partir do momento em que alguém rasgou o pavilhão rubro-negro.
– O pessoal de lá veio tomar satisfação com a turma de cá e começou um bafafá, com muito empurrão, que quase termina em cacete, recordou Pedrão.

Foi mais um, entre inúmeros entreveros surgidos naquele Carnaval, no Português.

Folião inveterado, Pedrão contou que dois anos depois da tal proibição imposta em 1975 por Carlos Costa, as músicas dos times voltaram à cena no mesmo Clube Português do Recife, mas por pouco tempo:

– Tocaram o frevo do Náutico, e jogaram um balde de gelo, lá de cima, na orquestra. Na vez do frevo do Sport aconteceu a mesma coisa. Aí o maestro José Menezes desistiu.

 

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