BOLA, PASSO E SOMBRINHA (1)

 

Pelé cercado de repórteres ao sair dr campo após um jogo na Ilha (Foto: Reprodução)

 



 

BOTARAM REI PELÉ NA ONDA DO FREVO

 



LENIVALDO ARAGÃO

 



 

Calma. O Rei do Futebol veio ao Recife inúmeras vezes, mas nunca no período carnavalesco, quando o frevo, como está começando a acontecer, se espalha pelas ruas, agitando multidões de “bons pernambucanos”, expressão usada pelo compositor Luiz Bandeira para definir o autêntico folião de sua terra, no célebre frevo-canção É DE FAZER CHORAR, popularmente conhecido como QUARTA-FEIRA INGRATA.

Excetuando-se sua vinda em 1994, já como um simples cidadão, para desposar a pernambucana Assíria Seixas Lemos, Pelé pintou no Recife em incontáveis ocasiões, desempenhando a função de jogador de futebol. Diversões nem ver. Podia ficar alguns dias por aqui, jogando pelo Santos, Seleção Paulista ou Seleção Brasileira, ou simplesmente por uma hora e pouco, tempo suficiente para que o avião em que ia ou voltava da Europa, fizesse o habitual pouso técnico para reabastecimento, no Aeroporto Internacional dos Guararapes.

FIGURA CARIMBADA

É o que se pode dizer de Pelé a respeito de seu relacionamento com o torcedor pernambucano. Em diferentes situações enfrentou Náutico, Santa Cruz, Sport e Seleção Pernambucana, esta pelo Campeonato Brasileiro de Seleções. Também defendeu a Seleção Brasileira. Esta, num amistoso, na Ilha do Retiro, em 13-07-1969, contra a equipe representativa da Terra do Frevo e do Maracatu.


As “feras de Saldanha” se preparavam para as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970, no México. Graças ao prestígio desfrutado pelo presidente da FPF, Rubem Moreira, junto à CBF, o Atleta do Século XX e os demais canarinhos vieram mostrar o estágio em que se encontravam. Goleada de 6 x 1, na Ilha do Retiro, gols de Edu (3), Jairzinho, Tostão e Pelé para a equipe nacional, e Dema para o time da casa.

Noutra exibição na Ilha, agora jogando pelo Santos, o dono da camisa 10 mais famosa do mundo, sofreu sua segunda expulsão de campo – o gaúcho Alfredo Bernardes Torres, oficial do Exército, que servia em Pernambuco, mandou, sucessivamente, quatro santistas para o chuveiro mais cedo, incluindo o célebre mineiro, nascido em Três Corações.

Ainda na Ilha, palco dos principais jogos no Recife, naquele tempo, o ainda “Rei Menino”, havia saído de campo chorando após São Paulo perder para Pernambuco por 4 x 2, em 31-01-1960 pelo Brasileiro de Seleções de 1959.

 

O ARRUDA E A MINICOPA

Ligado ao Banco Industrial de Campina Grande, Pelé esteve no hoje decrépito Palácio Frei Caneca, na Avenida Cruz Cabugá, antiga sede do governo estadual, quando da assinatura de um empréstimo ao Santa Cruz, avalizado pelo Governo do Estado, através do chefe do Poder Executivo, Eraldo Gueiros Leite. O dinheiro foi destinado à ampliação do Estádio José do Rego Maciel, o agora problemático Colosso do Arruda, que em 1972, na sua inauguração, recebeu cinco das 20 seleções que participaram da chamada Minicopa, o Torneio Independência, com que o Brasil comemorou o 150º aniversário de sua separação do domínio português.

As equipes que vieram ao Recife foram as do Chile, Equador, Irã, Irlanda e Portugal – esta decidiu a competição, no Maracanã, contra o Brasil, tendo saído como vice-campeã.

 APELO AO REI

E o que Pelé, que até deu uma de compositor ortodoxo, mas em outros ritmos, tem a ver com o frevo? Vejamos.

O nosso craque maior, falecido em 29-12-2022, com 82 anos, foi tema de um frevo-canção, além de ter sido citado noutras composições no apimentado embalo pernambucano.

Quando a Seleção Brasileira, depois de ter levantado seu terceiro título mundial, no México, em 1970, se preparava para a Copa de 1974, na Alemanha, houve uma verdadeira comoção nacional pela permanência do Rei, que tinha anunciado seu propósito de deixar a Canarinha, o que terminou acontecendo.
O fato não passou despercebido pelo compositor e folclorista Sebastião Lopes, autor de muitas músicas feitas especialmente para o Carnaval. Na área esportiva foi parceiro de Nelson Ferreira, em 1936, no frevo-canção PELO SPORT TUDO, popularmente conhecido por MORENINHA e dedicado ao Sport.

Compositor Sebastião Lopes


O Bom Sebastião, como foi chamado por Getúlio Cavalcanti num frevo-de- bloco a ele dedicado, integrou-se ao movimento. Com o frevo-canção VOLTA, PELÉ, o prestigiado artista pernambucano fez um dramático e infrutífero pedido para que o “gênio da bola” disputasse mais um Mundial. Eis a letra:
Milhões de brasileiros
Estão em aflição
Com a saída de Pelé
De nossa seleção
O rei tricampeão
Promete que vai voltar
Volta, Pelé, volta, Pelé
Na sua Canarinha
Acabou-se aquele olé
Volta, Pelé, volta, Pelé
II
Oitenta milhões em ação
Esperando o show de pé
Mostre que é tricampeão
Mostre que tem coração

Tá todo mundo sofrendo
Com essa nossa seleção
Obrigado, Pelé
Pelo tri mundial
Pra bem da Canarinha
Seleção nacional
.

O Rei com Ramon, do Santa


O maior craque de todos os tempos foi ainda citado por Mário Filho, radialista e pesquisador musical. (Não confundir com MÁRIO Rodrigues FILHO, irmão do célebre Nelson Rodrigues, que dá nome ao Maracanã.) No frevo-canção QUEM ME QUER, Mário fala em esperar o seu amor no “Quem me Quer”, um trecho entre as pontes Duarte Coelho e Boa Vista, à margem direita do Rio Capibaribe, no centro do Recife, em tempos idos, local de paquera. A denominação valia para o mesmo percurso, porém na outra margem, começando à frente do Cine São Luiz.  Diz a música na sua primeira estrofe, mostrando ou insinuando o poder de fogo do compositor perante a mulherada:
Vou esperar o meu amor
No Quem me Quer
No Quem me Quer
Eu sou o rei Pelé.

Com o governador Eraldo Gueiros, em cerimônia no Palácio dos Despachos (Arquivo do Blog)


GAGARIN QUERIA VER

Até o soviético Yuri Gagarin, primeiro astronauta da História a dar uma volta em torno da Terra, em 1961, entrou na frevologia, graças a Pelé. Gildo Branco, durante muito tempo gerente do Clube Português do Recife, autor de vários frevos, fez A LUA DISSE. Gravada em selo Mocambo, da pernambucana gravadora Rozenblit, a música estourou no carnaval de 1962, na voz de Evaldo França, que morreu aos 21 anos, no início de uma carreira promissora, em plena Semana Pré-Carnavalesca, ao cair de um jipe sem capota, como era uso em tempos carnavalescos, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes.  Vamos à letra:

“Gagarin subiu, subiu, subiu
Foi até ao espaço sideral
Chegou perto da lua e sorriu
‘Vou embora pro Brasil
Que o negócio é carnaval’

II

A lua disse
‘Não vá, demore mais
Já ouvi que lá na Terra
Querem me passar pra trás’
Mas o Gagá nada ligou e deu no pé
‘Vou mesmo pro Brasil
Eu quero é conhecer Pelé’” ….

PELÉ, DIDI, VAVÁ...

O trinômio acima nada tem a ver com frevo. Na realidade, faz parte de um samba do radialista pernambucano Luiz Queiroga, que lhe deu o nome de ESCOLA DE FEOLA. Foi gravado pelo trio Os Três Boêmios, da Rádio Clube de Pernambuco, para homenagear os campeões do mundo de 1958, em sua passagem pelo Recife, no regresso da Suécia. O Estado que havia dado Vavá, o Leão da Copa, ao futebol brasileiro, exaltava o heroico feito da Seleção. Gravação efetuada no estúdio da Mocambo, da Fábrica Rozenblit, dos Irmãos José e Isaac Rozenblit, localizada na Estrada dos Remédios, no bairro de Afogados, tão logo o jogo decisivo terminou.

No disco, de 78 rotações por minuto, só cabiam duas músicas. Na outra face, mais louvação ao Escrete, como também era chamada a Seleção, através do frevo-canção BRASIL CAMPEÃO DO MUNDO, de Aldemar Paiva e Nelson Ferreira, com a Orquestra e o Coro Mocambo. Numa verdadeira operação de guerra, o disco foi rapidamente distribuído com as emissoras de rádio, e passou a ser ouvido pelo povo, enquanto se comemorava nas ruas e residências a grande conquista.

No caso do samba de Queiroga, já estava tudo pronto, antes do jogo decisivo, faltando apenas colocar o placar. Tanto que não houve condições para trocar o nome de De Sordi pelo de Djalma Santos, uma vez que a substituição realizada pelo técnico Vicente Feola, causada por uma lesão no até então titular, foi feita a poucas horas da grande final. O disco, com dedicatória personalizada, incluindo fotografia, foi distribuído com os jogadores, quando a Seleção, por injunção e teimosia de Rubem Moreira (conto melhor a história num livro que estou escrevendo sobre Rubão), desfilou pelo Recife, por ocasião da escala técnica do avião que a conduzia, ao regressar ao País, tendo sido homenageada com um almoço no Clube Português. Vamos à letra:

 

“Didi, Pelé, Vavá

Bailaram lá na Europa e a Copa

Vem pra cá

– No duro!

Gilmar, De Sordi e Beline

Famoso trio final

Fizeram do meu Brasil

O campeão mundial

Zagalo. Zito e Garrincha

Nilton Santos e Orlando

São os campeões do mundo

E o Brasil está saudando: 5 a 2.”





Eu entrevistando Pelé numa de suas passagens pelo Recife


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