O TETRA E A FORÇA DO GESTO

 

O pernambucano Ricardo Rocha, um dos símbolos da conquista de 1994 (Reprodução)


CLAUDEMIR GOMES



Existem vários caminhos que nos levam ao tetra conquistado pela Seleção Brasileira masculina de futebol no dia 17 de julho de 1994 nos Estados Unidos. Um título que tem um viés pernambucano muito forte, razão pela qual resolvi relembrar alguns gestos cuja dimensão e importância só foram me apresentadas pelo tempo.

Em dado momento, a campanha da Seleção Brasileira nas Eliminatórias Sul-Americanas chegou a ser considerada temerária. Mas veio o jogo com a Bolívia, no Arruda. Na véspera, Fred Oliveira, presidente da FPF, na época, junto com seu irmão Carlos Alberto Oliveira, sugeriu ao imortal Marcos Vinicius Rodrigues Vilaça oferecer um jantar ao presidente da CBF, Ricardo Teixeira. O limoeirense, torcedor do Náutico, abraçou a ideia.

A confraternização, que teve o casal Maria do Carmo e Marcos Vinicius Vilaça, como anfitriões, foi o primeiro gesto num conjunto de acontecimentos que mudaram o rumo da história. Naquela noite, todos foram dormir com a certeza de que a Seleção comandada por Carlos Alberto Parreira daria a volta por cima nas Repúblicas Independentes do Arruda.

O zagueiro Ricardo Rocha, que conhecia como poucos a aura do estádio do Santa Cruz, pediu que os jogadores da Seleção Brasileira entrassem em campo de mãos dadas. A força do gesto transcendeu o momento. A torcida entrou em sintonia com o time de forma jamais vista. Estava formada a corrente pra frente.

Durante muito tempo, a imagem de um garoto (filho de Lourival, ex-jogador do Náutico e do próprio Santa) vibrando, gesticulando e beijando a camisa na arquibancada, foi apresentada como sinônimo de garra, e do amor, que levariam o Brasil ao tetra. O gesto daquele garoto foi tradução fiel do recado repassado pelos pernambucanos, que foram hipotecar solidariedade e ver o Brasil retomar o caminho da vitória.

O Mundial dos Estados Unidos era a quarta edição de uma Copa do Mundo que estava cobrindo para o DIARIO DE PERNAMBUCO. Desta feita estava incorporado a uma equipe formada pelos companheiros do ESTADO DE MINAS e CORREIO BRASILIENSE. A estrutura colocada à nossa disposição era fantástica. Certo dia, quando íamos fazer a cobertura do treino da Seleção, em San José, me deparei com o grande Ivan Lima na recepção do hotel. Com um gravador a tiracolo, se comportava como um simples repórter. Lhe apresentei aos companheiros de equipe como sendo um dos maiores narradores do rádio brasileiro. Ivan conquistou a todos com suas histórias e simpatia. Seu lugar no carro passou a ser fixo. Ele ia e voltava para os jogos e treinos na nossa companhia. Quando retornou dos Estados Unidos falou para um montão de gente do meu gesto, e a gratidão             que me tinha pelo acolhimento que lhe dei. Ele nunca imaginou do orgulho que eu tinha de estar lado a lado, com um dos meus ídolos numa cobertura de Copa do Mundo.

Adherval Barros estreou na Copa de 94 como comandante da equipe de esportes da RÁDIO JORNAL DO COMMERCIO. A marca de sua ousadia foi transmitir, do estádio, todos os jogos da Seleção Brasileira. Para marcar presença e ratificar o feito para seus ouvintes, em todos os jogos do Brasil ele me entrevistava. Um gesto que valeu de credibilidade para nós dois.

A RÁDIO CLUBE deixou apenas o repórter Alfredo Augusto Martinelli para cobrir os jogos da primeira fase da Copa. Martinelli não tinha o card que dava acesso à zona mista. Sempre que terminava o trabalho repassava o meu card para ele. Até hoje Martinelli ressalta o meu gesto e faz questão de mostrar sua gratidão.

Em determinado dia de folga encontrei Parreira  e Zagallo fazendo compras num shopping em San José. Fiz um aceno com a cabeça, esbocei um sorriso e segui meu caminho. Nos encontramos em outras lojas e os deixei bem à vontade. No dia seguinte Parreira comentou, com o jornalista Ney Bianchi, da MANCHETE, sobre meu comportamento. Por conta daquele gesto – respeitar o momento de folga – fui convidado após a vitória do Brasil sobre a Holanda, no Texas, para um momento de Parreira com um seleto grupo de jornalistas. Neste encontro, após um brinde conosco, ele sentenciou: “O Brasil vai ser campeão my way!” Ao meu jeito. Era um desabafo contra a enxurrada de críticas que vinha recebendo.

Após a vitória sobre a Itália, no hotel onde estava hospedada a Seleção Brasileira, os jogadores ficaram no mezanino. Torcedores tentavam subir, mas só tinha acesso quem eles autorizassem. Ao me ver na escada, Ricardo Rocha tratou de liberar minha entrada: o gesto da irmandade pernambucana.

Hoje, trinta anos depois da conquista do tetra, observo que a força do gesto só é mensurada pelo tempo.      


Comentários