Fim da Copa, fogos pipocam e o povo festeja a vitória que não veio
Neste 16 de julho de 2024 faz
74 anos – havia dez que eu estava no mundo – que ouvi falar em Copa do Mundo
pela primeira vez.
Vivia em minha terra natal, Santa
Cruz do Capibaribe, na época um distrito do município de Taquaritinga do Norte.
A vida passava lenta e calmamente. A população não chegava a cinco mil
habitantes. Hoje está em 111.812. A grande explosão do negócio das confecções
estava ainda para dar seus primeiros passos.
A Terra das Gameleiras vivia o
ciclo do carvão. Diariamente saíam para o Recife caminhões e mais caminhões
carregados de carvão vegetal, cuja produção provocava um desmatamento descomunal
na caatinga da Região, entrando pelo vizinho Estado da Paraíba.
Nas festas, a Banda Musical Novo
Século divertia e orgulhava seus habitantes, como ainda hoje acontece. No Carnaval
não faltava, no sábado, a figura do Zé Pereira, que jamais se descobriu quem
era. Chegava à noite, no lastro de um caminhão, e era acompanhado no seu circuito
pelas ruas Grande e do Pátio, pelo bloco Último Hora, conduzido pelo
porta-estandarte Artur Paraguai.
Aos domingos sempre havia um amistoso do
Ypiranga ou mesmo um treino, no campo situado em terreno doado pelo “coronel”
Luís Alves, pai de Otávio Limeira Alves, que hoje dá nome ao estádio, por
iniciativa minha e do primo Fernando, conhecido por Fernando de Ivo Paca.
Voltemos à Copa. Contavam-se
nos dedos os rádios existentes na vila. Eram uns cinco, de válvulas, e movidos
a bateria, pois a luz elétrica, gerada por um motor do citado Luís Alves, era
muito fraca e só funcionava entre 18 e 22 horas. Na verdade, ele tinha adquirido, na Europa, para
mover sua indústria de desfibramento de caroá. Surgiu até uma música provocando
o povo de Taquaritinga, cidade localizada na Serra da Taquara, cujos políticos
sempre se opunham à emancipação de Santa Cruz:
“Taquaritinga parece um cuscuz
/ Santa Cruz tem luz / Taquaritinga não tem / Santa Cruz tem luz /Quem foi que
botou? / Foi Luís Alves, que é o homem do dinheiro / Foi no estrangeiro e
comprou um motor”,
Uma conversa entre Mauro e
Geraldo, outros primos, me botou lá dentro do Maracanã, só em pensamento, é
claro.
À tarde, eu me encontrava
encostado ao balcão da loja de Braz de Lira, acompanhando o jogo decisivo Brasil
x Uruguai, juntamente com Totonho, mais tarde craque do Ypiranga, que administrava
aquele ponto comercial. O som ia e voltava, e o pernambucano Ademir tinha seu
nome muito mencionado, juntamente com Zizinho, Friaça e por aí vai.
Vibramos com o gol do Brasil,
como vibrou, no outro lado da rua, um grupo que pegava o bigu no rádio de
Otávio. Este, fundador e ex-jogador do Ypiranga, com o qual continuava
colaborando, vivia numa cama, em dependência vizinha à residência da família, contando
com companhia dia e noite. Tinha sido vitimado por uma paralisia que
impossibilitava sua locomoção.
Sempre ligado ao esporte
bretão, Otávio, que as irmãs Lúcia e Dulcina, professoras, tratavam por Tatá, mandou
preparar uma espetacular girândola, que foi colocada à frente de seu quartinho,
como chamavam, para a grande comemoração, assim que o jogo fosse encerrado.
Como acontecia de Norte a Sul
do Brasil, ninguém, naquele recinto festivo acreditava que o Uruguai iria nos
roubar a glória de sermos campeões do mundo pela primeira vez, e a taça. Mas
foi o que deu.
Em meio à tristeza e à enorme frustração,
surgiu uma pergunta sobre o que fazer daqueles fogos. Havia uma turma composta
por Raimundinho, Severino Cuscuz e João Moraes, meu tio, que sempre estava criando
uma gaiatice. Eles resolveram, então, zonar com a derrota brasileira, soltando
a girândola.
Com o foguetório, muita gente
saiu à rua para festejar, pulando e gritando, achando que o Brasil tinha sido
campeão.
Assim, sem querer, a minha Santa
Cruz do Capibaribe foi o único lugar no país “onde canta o sabiá” a comemorar a
derrota. Ou a achar que estava comemorando. Por conta de três gaiatos.
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