João Luiz e Jurandir, velhos amigos (Arquivo de João Luiz) |
Goleiro pernambucano que escapou do milésimo gol do Rei
A foto acima mostra os amigos João
Luiz e Jurandir em conversa cordial em Caruaru, cidade do Agreste de Pernambuco,
onde moram. Ambos defenderam o Central, além de outros clubes. Vejo a imagem de Jurandir e logo meu pensamento
se transporta para a longínqua tarde de 16/11/1969. Em Salvador, o Estádio da Fonte Nova, recebia 37.378 pagantes. Depois
de ter enfrentado o Santa Cruz e o Botafogo paraibano, este num amistoso, Pelé
esperava encerrar seu curto périplo pelo Nordeste, marcando o ansiado e
badalado milésimo gol. Porém, o pernambucano de Afogados da Ingazeira,
caruaruense por adoção desde os três anos de idade, Jurandir Salvador dos
Santos (18-11-1944) não estava nem um pouco interessado em entrar na biografia do
Rei. Isso se podia deduzir de uma sua entrevista ao jornal A TARDE:
– Sou pago para defender o gol
da minha equipe. É exatamente isso que vou fazer contra o Santos. Acho difícil
que ele marque o milésimo em mim.
Eu acompanhava o Santos naquele
trajeto final em busca do tal gol, para um tabloide especial que foi publicado
pelo DIARIO DE PERNAMBUCO. Hospedei-me no Hotel Plaza, na Avenida Sete, onde a
delegação santista estava. Um ou outro jogador aparecia no saguão. Pelé, o alvo
de todas as atenções, chegou a sair para
conhecer um terreno com que seria presenteado em área nobre da capital
soteropolitana.
O jogo do Peixe, na época, o
melhor time do Brasil, contra o Esquadrão de Aço, valia pelo antigo Torneio
Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão, que dois anos depois, 1971, reformulado, passaria
a ser chamado de Campeonato Nacional.
PROPOSTA INDECENTE
Outro dia conversei com Jurandir
por telefone. Fiquei espantado quando ele me disse que recebeu oferta de um
apartamento e mais dinheiro vivo, por intermédio de um figurão do próprio Bahia
para deixar Pelé balançar sua rede. Certamente, o Bahia festejaria e se
promoveria com o fato.
Segundo A TARDE, um ex-deputado
estadual e ex-presidente e diretor do Bahia ameaçou a família de Jurandir e
ofereceu dinheiro para que o gol acontecesse naquela tarde. A grana era em cruzeiros novos, algo equivalente a R$
700 mil.
– Ele me ofereceu dinheiro e
disse que eu ficaria independente para o resto da vida. Mas eu disse que minha
dignidade não tinha preço. Eu disse que se ele tocasse na minha família era ele
que responderia. Depois do jogo ele sumiu. Eu fui e logo abri a boca com a
imprensa. Graças a Deus fui considerado no dia a principal figura da partida.
Dizem que não fui inteligente, mas com o passar do tempo vi que aquilo era
insignificante – afirmou o ex-goleiro.
Jurandir foi o último jogador a
entrar em campo. Ao seu lado, o técnico do Bahia, o paraguaio Fleitas Solich, tricampeão
carioca com o Flamengo (1953/54/55) e que, entre outros havia dirigido o Real
Madrid, no tempo dos célebres Di Stefano e Puskas.
O MILAGRE
O Bahia fez 1 x 0 com Baiaco, e Jair
Bala empatou para o Santos, definindo o placar do jogo em 1 x 1.
Em campo, além de Jurandir havia
outros dois pernambucanos, o lateral-direito Mura, do Bahia, e o
lateral-esquerdo Rildo, do Santos. Também defendendo o Esquadrão de Aço, o zagueiro
Adevaldo, que mais tarde jogaria pelo Santa Cruz.
Pelé tentou o tal milésimo
várias vezes, sem êxito. O lance que ficou marcado para sempre na lembrança dos
torcedores e na mídia foi aquele em que o
zagueiro Nildo salvou a situação, o que Jurandir, um sertanejo de muita
fé, atribui à proteção divina:
– O Santos começou a tabelar,
Coutinho tocou para Clodoaldo, que lançou Pelé. Ele fez que ia chutar e eu caí.
Ele me driblou, chutou e a bola ia entrar. Ali foi coisa de Deus, milagre. A
bola ia entrar, não tinha como defender. O lance foi tão rápido que ninguém
viu. Nildo "Birro Doido" se jogou contra a bola e a bola foi na trave.
Paes, que era lateral-esquerdo da Seleção Argentina, vinha em seguida e mandou
para escanteio.
Foto: Reprodução |
GOLPE DE BOXEADOR
O pernambucano parece estar revivendo
o célebre duelo com o melhor jogador do mundo:
– Eu praticava boxe também, por
conta dos cruzamentos na área. Na primeira bola eu socava a bola e o atacante.
Na primeira bola eu fiz isso com Pelé, ele saltou, mas encolheu o pescoço. Ele
xingou, xingou muito no jogo. Pelé me disse que eu ia ficar famoso, mas eu
disse que não queria essa fama. O tipo de fama que eu queria era que ele não
fizesse o gol.
Ainda hoje corre a lenda de que
todo o estádio vaiou quando a defesa do Bahia evitou o tal gol no lance
descrito por Jurandir. Houve a tal vaia, sim, mas os torcedores do tricolor
baiano aplaudiram. Só um ou outro torcia pelo milésimo gol de Pelé naquela
tarde.
Jurandir jogou no Central, antes
de o Alvinegro ter entrado no Campeonato Pernambucano, o que aconteceu em 1961.
Defendeu outras equipes, como o Vera Cruz e o América, um dos times amadores da
Capital do Agreste. Foi descoberto pelo Bahia em 1967, quando defendia o CSA, já como profissional. Anos depois, já em fim
de carreira voltou a vestir a camisa da Patativa, mas por pouco tempo e como
mero figurante. Outras equipes que defendeu foram ASA (AL); Leônico, Botafogo e
Ypiranga (BA); Sampaio Corrêa (MA); Ferroviário, Icasa, Maguary e Guarany (CE);
Desportiva Guarabira e Treze (PB) e
Confiança (SE).
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