O clássico da Mustardinha
Museu Mundial do Futebol/Futebol em Charges-reprodução |
Tempo quente no popular bairro da Mustardinha, no Recife. Planetinha e Barra Forte iam se enfrentar. Quando os dois se encontravam, dificilmente o jogo chegava ao fim. A inhanha começava logo cedo. As ameaças de “dou no futebol e dou na tapa” eram uma constante e partiam dos dois lados. Por precaução, para aquele encontro pediram um árbitro à federação.
Nas barracas e em
qualquer ‘pega bebo’ daquele pedaço da capital pernambucana, à medida em que a
temperatura, graduada pelas libações alcoólicas, ia subindo, recrudesciam os
insultos. O povo sabia que no dia em que as duas equipes se cruzavam, tudo
poderia acontecer. As mães faziam mil recomendações aos filhos, quando estes
saíam de casa. Às vezes, a partida era adiada por falta de um juiz que topasse
enfrentar aquelas feras – as de dentro e as de fora de campo. Um lema muito em
voga nos campos suburbanos dominava o panorama do duelo Barra Forte x
Mustardinha: “Do pescoço pra baixo, tudo é canela.”
Diante do clima
de hostilidade que se criava a cada encontro, dirigentes dos dois clubes
chegaram certa vez a uma decisão radical, evitando que seus times se enfrentassem.
E nem se sonhava com torcida organizada. Mais tarde, torcedores das duas
equipes, inconformados com o recesso, passaram a pressionar os cartolas para a
volta do clássico da Mustardinha. Foram atendidos, e depois de dois anos de
jejum, Planetinha e Barra Forte marcaram um amistoso. Teria que ser em terreno
neutro, e o local escolhido foi o campo do Ferroviário, situado nas imediações,
na Vila Ypiranga, junto da estação do trem. O árbitro não poderia ser qualquer
um, razão pela qual os clubes apelaram para a antifa FPD (Federação
Pernambucana de Desportos), tendo sido atendidos.
Veio o dia do
esperado encontro. Logo cedo, uma parte da população da Mustardinha deslocou-se
para o local do desafio. Na época, o campo do Ferroviário não tinha muro nem
alambrado. Em seu entorno havia uma tênue cerca. Na verdade, não era nem o
Ferroviário ainda, mas seu antecessor Great Western.
Bola em jogo.
Para honrar a tradição, o pau começou a cantar já no primeiro minuto. O buruçu
teve início, depois que Saguim deu um traço em Amaro Grande. Este, atônito com
os gritos da plebe ignara, como dizia Nelson Rodrigues, reagiu com uma pernada,
mandando Saguim para bem longe. O juiz não se fez de rogado e advertiu o
meliante, para usar a linguagem dos antigos repórteres policiais.
– Se der outra sai, vai pro chuveiro –
advertiu o homem do apito.
A partida prosseguiu,
com os ânimos cada vez mais exaltados. Aqui, acolá, uma lamborada firme na
canela de um adversário desatento. Lá para as tantas, com o jogo quase
terminando, o juiz marcou um pênalti contra o Planetinha. Apesar dos protestos,
foi feita a cobrança. A bola bateu na rede pelo lado de fora e o árbitro
apontou para o centro do gramado. Festa do Barra Forte e desespero do
Planetinha, cujos jogadores passaram a pressionar o árbitro, pedindo a
invalidação do gol que, na realidade, não existira mesmo. Levando empurrão por
tudo o que era lado, o homem de preto
fez uma consulta sui generis ao
goleiro do Planetinha:
– Seja homem, se
essa bola fosse pra dentro, você pegava?
– Não – respondeu
o goleiro, com muita franqueza.
Diante de tanta
firmeza, o juiz deu a sentença final:
– Então, foi gol
e pronto.
Para variar, mais
pontapé, rasteira, joelhada e cotovelada dentro de campo, e carreira no juiz,
tudo dentro do figurino do Clássico da Mustardinha, principalmente depois que
correu o boato de que, mesmo sendo do quadro da federação, o juiz morava na
Mustardinha e tinha uma certa queda pelo Barra Forte.
Comentários
Postar um comentário