BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

No lado de lá, o paraibano Coca Cola renunciou ao apelido

Ferroviário do Ceará em 1967. Em pé, Pedrinho (pernambucano), Gomes, Luiz Paes, Veto, Carlindo, Edmar e Miltão, goleiro reserva; agachados, Marcos do Boi, Ademir, Facó, Coca Cola e Alísio (Reprodução do Álbum do Ferrão)



Há muito tempo, o futebol português começou a ser povoado por jogadores brasileiros. Tanto que a seleção deles que participou da Copa do Mundo, na África do Sul, em 2010, tinha três compatriotas nossos, naturalizados lusitanos: Deco, Liedson e Pepe. Este, ídolo da torcida do Futebol Clube do Porto, ainda hoje, em 2022, defende a equipe nacional lusa.  Em certa época havia por lá um montão de gente oriunda de Pernambuco e do Nordeste em geral. Nossos patrícios espalhavam-se pelas diversas divisões do futebol luso. Quem acompanha o movimento futebolístico do outro lado do Atlântico, conheceu, entre outros, Mirobaldo, Humaitá, Rubem Salim, Nivaldo, hoje empresário de futebol, que brilhou no Benfica e no Vitória de Guimarães, Djalma, o atacante revelado profissionalmente pelo América do Recife e que brilhou no Sport, ainda hoje é lembrado pelos torcedores do Porto que ainda restam de sua época. Duda, o inesquecível Dedeu e, mais para trás, Ivson, Edmur, Caiçara, Geo etc. são outros que deixaram boas lembranças por lá.  

O meia paraibano Coca-Cola foi um dos muitos que cruzaram o “mar tenebroso”, não numa frágil e incerta caravela, mas num possante “pássaro metálico”, depois de brilhar em seu Estado natal e no Ceará, onde ainda hoje é lembrado com muita saudade pela torcida do Ferroviário, cuja camisa vestiu de 1965 a 1973.

O Panafiel ia jogar contra o Gil Vicente. Este anunciava a estreia de um jogador chegado havia pouco tempo do Nordeste brasileiro. Tratava-se de Abelardo, cuja ficha técnica era divulgada pelos jornais. Sua idade, 26 anos.

No Panafiel, o adversário do Gil Vicente havia também um brasileiro, o pernambucano Bite, que fora revelado pelo Sport, tendo defendido vários times da Região antes de se mandar para a Europa. Bite ficou curioso em saber quem era o compatriota que iria enfrentar. Conhecera um Abelardo que jogara no Santa Cruz, e que se transferiu para o Botafogo. Do clube da Estrela Solitária se mudou para o Atlético Mineiro e ninguém teve mais notícia dele. Não se tratava da mesma pessoa, concluiu.

Quando os times entraram em campo, Bite lançou seu olhar investigativo e descobriu que o tal Abelardo era nada mais, nada menos, um velho conhecido seu, que no Brasil atendia pela alcunha de Coca-Cola. Já havia jogado várias vezes contra ele, em gramados brasileiros, ainda no início da carreira, recém-saído do juvenil do Sport. Correu para abraçá-lo, pois é sempre uma satisfação para essa turma da bola encontrar um brasuca lá fora. Antes de mais nada, o apelido foi dado ainda na infância, em João Pessoa.

– Como eu era pequeno e magro, me chamavam de “miniatura de Coca-Cola”. Reclamei e o apelido pegou. Quase ninguém sabe meu nome. Até minha mulher me chama de Coca – disse numa entrevista Abelardo Cesário da Silva, falecido em junho de 1999.

– Coca-Cola, que satisfação – disse Bite, puxando o paraibano para o abraço.

– Não, Coca-Cola não. Me chame de Abelardo – repreendeu o meia, um tanto apavorado, deixando Bite assustado.

O ex-jogador do Sport ficou matutando sobre a reação de Coca-Cola, quando tempos depois matou a charada.

Coca-Cola tinha 31 anos e não 26 e tivera os documentos alterados, passando-se por um jovem brasileiro disposto a vencer em Portugal.  Se alguém descobrisse que Abelardo era Coca-Cola poderia dar com a língua nos dentes e botar tudo a perder. Ele corria o risco até de ser processado por ter adulterado os documentos. Coisa de empresário, desculpava-se. E aí sua carreira iria para o beleléu. O paraibano usou um argumento irrefutável para refugar o antigo apelido:

 – E tem uma coisa. Já que vim pra cá, não vou ficar fazendo propaganda para a Coca-Cola de graça.

 

 

Comentários