No lado de lá, o paraibano Coca Cola renunciou ao apelido
Há muito tempo, o futebol português começou a ser povoado por jogadores brasileiros. Tanto que a seleção deles que participou da Copa do Mundo, na África do Sul, em 2010, tinha três compatriotas nossos, naturalizados lusitanos: Deco, Liedson e Pepe. Este, ídolo da torcida do Futebol Clube do Porto, ainda hoje, em 2022, defende a equipe nacional lusa. Em certa época havia por lá um montão de gente oriunda de Pernambuco e do Nordeste em geral. Nossos patrícios espalhavam-se pelas diversas divisões do futebol luso. Quem acompanha o movimento futebolístico do outro lado do Atlântico, conheceu, entre outros, Mirobaldo, Humaitá, Rubem Salim, Nivaldo, hoje empresário de futebol, que brilhou no Benfica e no Vitória de Guimarães, Djalma, o atacante revelado profissionalmente pelo América do Recife e que brilhou no Sport, ainda hoje é lembrado pelos torcedores do Porto que ainda restam de sua época. Duda, o inesquecível Dedeu e, mais para trás, Ivson, Edmur, Caiçara, Geo etc. são outros que deixaram boas lembranças por lá.
O
meia paraibano Coca-Cola foi um dos muitos que cruzaram o “mar tenebroso”, não
numa frágil e incerta caravela, mas num possante “pássaro metálico”, depois de
brilhar em seu Estado natal e no Ceará, onde ainda hoje é lembrado com muita
saudade pela torcida do Ferroviário, cuja camisa vestiu de 1965 a 1973.
O
Panafiel ia jogar contra o Gil Vicente. Este anunciava a estreia de um jogador
chegado havia pouco tempo do Nordeste brasileiro. Tratava-se de Abelardo, cuja
ficha técnica era divulgada pelos jornais. Sua idade, 26 anos.
No
Panafiel, o adversário do Gil Vicente havia também um brasileiro, o
pernambucano Bite, que fora revelado pelo Sport, tendo defendido vários times
da Região antes de se mandar para a Europa. Bite ficou curioso em saber quem
era o compatriota que iria enfrentar. Conhecera um Abelardo que jogara no Santa
Cruz, e que se transferiu para o Botafogo. Do clube da Estrela Solitária se mudou
para o Atlético Mineiro e ninguém teve mais notícia dele. Não se tratava da
mesma pessoa, concluiu.
Quando
os times entraram em campo, Bite lançou seu olhar investigativo e descobriu que
o tal Abelardo era nada mais, nada menos, um velho conhecido seu, que no Brasil
atendia pela alcunha de Coca-Cola. Já havia jogado várias vezes contra ele, em
gramados brasileiros, ainda no início da carreira, recém-saído do juvenil do
Sport. Correu para abraçá-lo, pois é sempre uma satisfação para essa turma da
bola encontrar um brasuca lá fora. Antes de mais nada, o apelido foi dado ainda
na infância, em João Pessoa.
–
Como eu era pequeno e magro, me chamavam de “miniatura de Coca-Cola”. Reclamei
e o apelido pegou. Quase ninguém sabe meu nome. Até minha mulher me chama de
Coca – disse numa entrevista Abelardo Cesário da Silva, falecido em junho de
1999.
–
Coca-Cola, que satisfação – disse Bite, puxando o paraibano para o abraço.
–
Não, Coca-Cola não. Me chame de Abelardo – repreendeu o meia, um tanto
apavorado, deixando Bite assustado.
O
ex-jogador do Sport ficou matutando sobre a reação de Coca-Cola, quando tempos
depois matou a charada.
Coca-Cola
tinha 31 anos e não 26 e tivera os documentos alterados, passando-se por um
jovem brasileiro disposto a vencer em Portugal. Se alguém descobrisse que Abelardo era
Coca-Cola poderia dar com a língua nos dentes e botar tudo a perder. Ele corria
o risco até de ser processado por ter adulterado os documentos. Coisa de
empresário, desculpava-se. E aí sua carreira iria para o beleléu. O paraibano
usou um argumento irrefutável para refugar o antigo apelido:
– E tem uma coisa. Já que vim pra cá, não vou
ficar fazendo propaganda para a Coca-Cola de graça.
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