Torneio-Início sob toró na Ilha do Retiro
:Na foto, árbitros prontos para o desfile num dos muitos torneios-início realizados na Ilha do Retiro. Em.fila indiana, à esquerda, Batuel Macedo, Ozeas Gomes e Inácio Gonçalves sendo entrevistado por Geraldo Freire; no meio, Ubiratan Camilo, Hélio Ferreira, Armando Camarinha e Luís Gonçalves; à direita, Walter Bezerra, Manoel Amaro e Lourinaldo Rodrigues. (Cortesia de Lourinaldo Rodrigues)
Ao ver pela televisão o gramado da Ilha do Retiro cheio de pequenas lagoas, sendo vetado para servir de palco do jogo Sport x CSE-AL, veio-me à memória uma situação parecida ocorrida no mesmo estádio muito tempo atrás. Num domingo festivo de 1963, as arquibancadas desde cedo estouravam de gente. Haveria o Torneio-Início, evento que empolgava o torcedor. Acontecia uma semana antes de ser iniciado o Campeonato Pernambucano. Era uma espécie de pré-apresentação dos times que participariam do Estadual, organizado pela Associação dos Cronistas Desportivos de Pernambuco (ACDP).
Com bastante
antecedência, uma comissão de cronistas visitava empresários, principalmente
aqueles ligados aos clubes, em busca de prêmios que seriam distribuídos entre
jogadores e torcedores, incluindo aquele espectador que primeiro chegasse ao
estádio. Pouco depois do meio-dia, as equipes já estavam formadas no campo para
um desfile puxado por uma banda de música, geralmente militar, com balizas e
alegorias. Os grandes aproveitavam para incluir representantes das diversas
modalidades que disputavam, além do futebol, os chamados esportes amadores. No
fim, era escolhido o campeão do desfile, que recebia um troféu. Nisso, o
deputado e radialista Alcides Teixeira caprichava, Seu time, o Santo Amaro,
ex-Vovozinhas, quando não papava a taça tirava um fino.
Em 1963, horas
antes do desfile, começou a cair um toró que fazia medo. Mas a torcida não
arredava pé. Cada jogo da fase classificatória durava 20 minutos, com 10 para
cada tempo. Se houvesse empate, a decisão saía nos pênaltis. Um só jogador
cobrava de uma vez a série de cinco para sua equipe; idem em relação ao seu
adversário. Se não ficasse decidido vinha o revezamento entre eles até surgir
um vencedor. Só o jogo final era mais longo, durava 40 minutos, com mudança de
barra aos 20. Se necessário fosse, prorrogação de 20 minutos, seguida das
penalidades máximas, Havia jogadores que se consagravam nos pênaltis. Em épocas
diferentes, Alemão e Eliezer (Sport), Caiçara e Elias (Náutico), Aldemar e Rudimar
(Santa Cruz), Tadeu (América e Náutico), Vadinho e Pelado (Central), Mainha
(Sport, Santa Cruz e Náutico) entre outros, eram uma atração à parte. O
Torneio-Início surgiu em 1919 e teve sua última disputa em 1981, mas com a ACDP
fora e sem ser mais aquela festa de arromba.
Naquele domingo
de 1963, o campo da Ilha ia ficando empapado, com as poças aflorando. Na hora
de ser dado o pontapé inicial, com o América x Náutico, o Clássico da Técnica e
da Disciplina, surgiu uma grande expectativa. O temporal tinha dado uma trégua,
mas o estrago já estava feito. Lourálber Monteiro, um jovem cearense de 20 anos,
criado no Recife, em início de carreira, como juiz, fez o teste de praxe,
botando uma bola para correr pelo gramado enlameado. A pelota não fluía, ficava
presa ao solo. Pouco depois, Lourálber estava cercado de microfones e se sentiu
no dever de vetar o campo, baseado nas regras que regem o futebol.
– Até microfone
estava dando choque – lembrou-me outro dia o agora octogenário Lourálber
Monteiro, que além de Pernambuco apitou no
Ceará e na Bahia.
Rubem Moreira,
o todo poderoso presidente da FPF, e os cronistas pressionaram o rapaz para que
desse o dito pelo não dito, mas sem sucesso. O ‘democrático’ Rubem Rodrigues
Moreira tomou um susto, com sua ousadia. Alegou que aquilo era um momento festivo,
não contando pontos para nada. Seria horrível mandar aquele povo para casa sem
ver a festa. Os torcedores poderiam se revoltar. Lourálber permaneceu
irredutível.
Como não
conseguiu dobrá-lo, Rubão, usando de sua autoridade, chamou Evandro Ferreira,
um dos árbitros escalados para aquela tarde e, passando por cima de tudo o que
era critério, indicou-o para dirigir a partida.
A bola rolou,
com muita dificuldade, é claro, e o povão gostando, como dizia um anúncio das
Casas José Araújo. Agora, alegria mesmo quem
teve foi a torcida do Náutico, que viu seu time meter 4 x 0 no Santa Cruz, na
partida final, em apenas 40 minutos, com Bita, o Homem do Rifle, dando um show
de bola e de gols. Marcou dois, tendo sido o placar completado pelo seu irmão
Nado e pelo meia, mais tarde ponta-esquerda, Rinaldo. Naquele ano o Timbu
tornou-se campeão, tendo dado o primeiro passo para se tornar hexacampeão
estadual. E Lourálber Monteiro, que havia agido com a razão e não com o
coração, foi em frente na sua incipiente carreira, não obstante ter desafiado o
mandachuva do futebol pernambucano.
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