A TURMA DO APITO (2)

        Uma encrenca e tanto na Copa do Interior


O acanhado Estádio Jefferson de Freitas, em Jaboatão (Foto: Clima Online)

 Domingo de futebol no interior... Pois é, o frevo do caruaruense Carlos Fernando, falando de um encontro das seleções de Caruaru e Pesqueira, encerrado com um grande sururu, cai na medida para o que aconteceu certa vez no Estádio Jefferson de Freitas, em Jaboatão dos Guararapes. Decisão da Copa do Interior, reunindo a equipe da casa e selecionado de Garanhuns. Gente que não cabia no estádio, que é bem apertado. Não bastasse a torcida local, os garanhuenses formavam uma grande multidão.

Era o fim dos anos 70, e no apito estava o árbitro Manoel Pimentel, que fora de campo era um eficiente major da Polícia Militar de Pernambuco. Muitos anos depois, coronel aposentado, atuando como advogado, morreu tragicamente, num acidente de automóvel, na Ponte da Torre, no Recife.

Cabeça fresca, Pimentel vivia de bem com a vida, brincando com uns e com outros. Ainda estava engatinhando na arbitragem, mas na farda já tinha um bom tempo de janela. Naquele jogo em Jaboatão confiou no seu taco, ou seja, no seu posto na PM, tendo achado desnecessário pedir reforço de policiamento, apesar da carga de emoções que a partida ensejava. É que ele havia apitado outros jogos da mesma competição, ali mesmo, no Jefferson de Freitas, tendo se saído muito bem, No mínimo isso era um atestado que facilitaria sua vida, pensou. Como era praxe, seus auxiliares pertenciam à Liga Desportiva Jaboatonense. Quer dizer, bandeirinhas caseiros.

Partida disputadíssima e nervosa, conforme o figurino. Finalmente, valia a taça de campeão. As duas torcidas fazendo um grande barulho. De vez em quando, a polícia tinha que intervir por conta de algum “aqueta, arreda”, nas arquibancadas. E Manoel Pimentel seguro, dominando a situação. Até que a equipe visitante abriu o placar.

Enquanto apontava para o centro do gramado, validando o gol, o árbitro viu vários objetos, o mais leve de todos, uma garrafa, sendo despejados em cima do bandeirinha, de nome Walfrido, levando o pobre mortal, ou seja, o auxiliar, hoje chamado de assistente, a levantar seu instrumento de trabalho, ou seja, a bandeira. O ajudante de Pimentel estava anulando o gol, para surpresa do juiz. Diante de uma turba insana, resistir quem há-de? – foi assim que agiu o pobre do Walfrido. Pimentel e a turma de Garanhuns olhavam para o bandeirinha sem entender a anulação do gol, uma vez que a jogada havia transcorrido limpamente. Nisso, um sujeito bem nutrido e pouquíssimo delicado, apareceu repentinamente no meio do campo, agarrou Pimentel pelo pescoço, sem saber que estava espremendo gente da farda e perguntou, agressivamente, apontando para o assistente Walfrido:

– Não tá vendo o bandeirinha não?

– Se você me soltar, eu olho – respondeu o árbitro, a essa altura arrependido de ter confiado tanto no seu ‘prestígio’ diante da galera.

Lá na lateral do campo, acossado por outro ‘amável’ torcedor de Jaboatão, Walfrido alegava que a bola tinha saído de campo antes do chute e que o gol de Garanhuns não estava valendo. Mas, para o juiz valia, sim, e estamos conversados.

Aos trancos e barrancos, a partida continuou, e o primeiro tempo encerrou-se com a vitória parcial dos garanhuenses. Na segunda fase, empurrada por sua torcida, a seleção de Jaboatão empatou. Delírio nas arquibancadas, fogos espocando e muitos abraços. Passado aquele momento de euforia, o time local viu a equipe visitante reagir e partir para cima. Mas em certo instante, um atacante de Jaboatão saiu driblando todo o mundo, e quando chegou no quarto adversário, foi atingido por uma garrafa atirada das arquibancadas. O objeto voador partiu do local onde estava a galera de Garanhuns.

 Não prestou. Começou o grande sururu constante da música de Carlos Fernando. O campo foi invadido. Alguns árbitros que assistiam ao encontro, trataram de fazer um cerco de proteção em torno do juiz. O policiamento era precário, pois, como já foi dito, Pimentel achou que não precisava reforçar o pessoal que tinha sido escalado para trabalhar  

Com a bola debaixo do braço, o árbitro e major Manoel Pimentel sentia-se dono da situação. Foi quando viu Boi, um jogador de Jaboatão, dar um soco num adversário. Boi, de nome Valdir, jogava também no América do Recife, do qual Pimentel era preparador físico. Por enquanto não havia incompatibilidade com sua condição de juiz, pois estava ainda no limiar da carreira, atuando apenas no futebol amador. Sem querer misturar as coisas, Pimentel foi logo mostrando o cartão vermelho a Boi, que ficou espumando de raiva, procurando alguém para ir à forra. Dirigiu-se ao árbitro e, ao mesmo tempo, seu preparador:

–Professor, no senhor não vou dar não porque sua família é muito grande, é a polícia. Mas pelo menos uns dois eu vou levar.

Menos mal, raciocinou Pimentel. E haja pernada, cambalhota, rabo de arraia. Tal qual um touro miúra enfezado na arena, ninguém conseguia conter Boi. Ou Valdir. Campo cada vez mais cheio de torcedores, policiais sem dominar a situação. E o aperreio do homem do apito aumentava.

Ivo Tinô do Amaral, prefeito de Garanhuns, cobrava do árbitro o encerramento do jogo por falta de garantias, o que levaria a seleção da Suíça Pernambucana a ser proclamada campeã, no TJD. Em contrapartida, o prefeito de Jaboatão, Geraldo Melo, ameaçava alto e bom som:  

– Se acabar, não sai vivo daqui.

Já começava a escurecer, e Manoel Pimentel naquele vai pra lá, vem pra cá. Resolveu consultar seu colega Arlindo Maciel, então presidente da associação dos árbitros.

 – O que tu estás achando?

 – Te manda que vão te matar – aconselhou Arlindo, exagerando ou não.

Num lance de vivacidade, Pimentel botou a bola no chão e o povão, que lotava o gramado, abriu uma clareira. Finalmente, a partida seria reiniciada, pensaram todos. Na malandragem, e para espanto geral, o juiz aproveitou a brecha e deu um senhor pique para o vestiário. A confusão aumentou.

Aí sim, foi solicitado reforço de policiamento, ainda mais por se tratar de um oficial da PM. Enquanto a tropa não chegava, uns quatro gatos pingados que haviam feito a vigilância no jogo, davam proteção ao chefe, mas todo o mundo torando  aço, temendo o estouro da boiada. Pimentel só veio se sentir aliviado quando, com o estádio já completamente às escuras, chegou uma verdadeira frota de viaturas da PM. Só assim ele pôde deixar o Jefferson de Freitas em segurança, pilotando seu carro.  

 

 

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