Uma encrenca e tanto na Copa do Interior
O acanhado Estádio Jefferson de Freitas, em Jaboatão (Foto: Clima Online) |
Era o fim dos anos 70, e no apito
estava o árbitro Manoel Pimentel, que fora de campo era um eficiente major da
Polícia Militar de Pernambuco. Muitos anos depois, coronel aposentado, atuando
como advogado, morreu tragicamente, num acidente de automóvel, na Ponte da
Torre, no Recife.
Cabeça fresca, Pimentel vivia de bem
com a vida, brincando com uns e com outros. Ainda estava engatinhando na
arbitragem, mas na farda já tinha um bom tempo de janela. Naquele jogo em
Jaboatão confiou no seu taco, ou seja, no seu posto na PM, tendo achado
desnecessário pedir reforço de policiamento, apesar da carga de emoções que a
partida ensejava. É que ele havia apitado outros jogos da mesma competição, ali
mesmo, no Jefferson de Freitas, tendo se saído muito bem, No mínimo isso era um
atestado que facilitaria sua vida, pensou. Como era praxe, seus auxiliares
pertenciam à Liga Desportiva Jaboatonense. Quer dizer, bandeirinhas caseiros.
Partida disputadíssima e nervosa,
conforme o figurino. Finalmente, valia a taça de campeão. As duas torcidas
fazendo um grande barulho. De vez em quando, a polícia tinha que intervir por
conta de algum “aqueta, arreda”, nas arquibancadas. E Manoel Pimentel seguro,
dominando a situação. Até que a equipe visitante abriu o placar.
Enquanto apontava para o centro do
gramado, validando o gol, o árbitro viu vários objetos, o mais leve de todos,
uma garrafa, sendo despejados em cima do bandeirinha, de nome Walfrido, levando
o pobre mortal, ou seja, o auxiliar, hoje chamado de assistente, a levantar seu
instrumento de trabalho, ou seja, a bandeira. O ajudante de Pimentel estava
anulando o gol, para surpresa do juiz. Diante de uma turba insana, resistir
quem há-de? – foi assim que agiu o pobre do Walfrido. Pimentel e a turma de
Garanhuns olhavam para o bandeirinha sem entender a anulação do gol, uma vez
que a jogada havia transcorrido limpamente. Nisso, um sujeito bem nutrido e
pouquíssimo delicado, apareceu repentinamente no meio do campo, agarrou
Pimentel pelo pescoço, sem saber que estava espremendo gente da farda e
perguntou, agressivamente, apontando para o assistente Walfrido:
– Não tá vendo o bandeirinha não?
– Se você me soltar, eu olho –
respondeu o árbitro, a essa altura arrependido de ter confiado tanto no seu
‘prestígio’ diante da galera.
Lá na lateral do campo, acossado por
outro ‘amável’ torcedor de Jaboatão, Walfrido alegava que a bola tinha saído de
campo antes do chute e que o gol de Garanhuns não estava valendo. Mas, para o
juiz valia, sim, e estamos conversados.
Aos trancos e barrancos, a partida
continuou, e o primeiro tempo encerrou-se com a vitória parcial dos
garanhuenses. Na segunda fase, empurrada por sua torcida, a seleção de Jaboatão
empatou. Delírio nas arquibancadas, fogos espocando e muitos abraços. Passado
aquele momento de euforia, o time local viu a equipe visitante reagir e partir
para cima. Mas em certo instante, um atacante de Jaboatão saiu driblando todo o
mundo, e quando chegou no quarto adversário, foi atingido por uma garrafa
atirada das arquibancadas. O objeto voador partiu do local onde estava a galera
de Garanhuns.
Não prestou. Começou o grande sururu constante
da música de Carlos Fernando. O campo foi invadido. Alguns árbitros que
assistiam ao encontro, trataram de fazer um cerco de proteção em torno do juiz.
O policiamento era precário, pois, como já foi dito, Pimentel achou que não
precisava reforçar o pessoal que tinha sido escalado para trabalhar
Com a bola debaixo do braço, o árbitro
e major Manoel Pimentel sentia-se dono da situação. Foi quando viu Boi, um
jogador de Jaboatão, dar um soco num adversário. Boi, de nome Valdir, jogava
também no América do Recife, do qual Pimentel era preparador físico. Por
enquanto não havia incompatibilidade com sua condição de juiz, pois estava
ainda no limiar da carreira, atuando apenas no futebol amador. Sem querer
misturar as coisas, Pimentel foi logo mostrando o cartão vermelho a Boi, que
ficou espumando de raiva, procurando alguém para ir à forra. Dirigiu-se ao
árbitro e, ao mesmo tempo, seu preparador:
–Professor, no senhor não vou dar não
porque sua família é muito grande, é a polícia. Mas pelo menos uns dois eu vou
levar.
Menos mal, raciocinou Pimentel. E haja
pernada, cambalhota, rabo de arraia. Tal qual um touro miúra enfezado na arena,
ninguém conseguia conter Boi. Ou Valdir. Campo cada vez mais cheio de
torcedores, policiais sem dominar a situação. E o aperreio do homem do apito
aumentava.
Ivo Tinô do Amaral, prefeito de
Garanhuns, cobrava do árbitro o encerramento do jogo por falta de garantias, o
que levaria a seleção da Suíça Pernambucana a ser proclamada campeã, no TJD. Em
contrapartida, o prefeito de Jaboatão, Geraldo Melo, ameaçava alto e bom som:
– Se acabar, não sai vivo daqui.
Já começava a escurecer, e Manoel
Pimentel naquele vai pra lá, vem pra cá. Resolveu consultar seu colega Arlindo
Maciel, então presidente da associação dos árbitros.
– O que tu estás achando?
– Te manda que vão te matar – aconselhou
Arlindo, exagerando ou não.
Num lance de vivacidade, Pimentel
botou a bola no chão e o povão, que lotava o gramado, abriu uma clareira.
Finalmente, a partida seria reiniciada, pensaram todos. Na malandragem, e para
espanto geral, o juiz aproveitou a brecha e deu um senhor pique para o
vestiário. A confusão aumentou.
Aí sim, foi solicitado reforço de
policiamento, ainda mais por se tratar de um oficial da PM. Enquanto a tropa
não chegava, uns quatro gatos pingados que haviam feito a vigilância no jogo,
davam proteção ao chefe, mas todo o mundo torando aço, temendo o estouro da boiada. Pimentel só
veio se sentir aliviado quando, com o estádio já completamente às escuras,
chegou uma verdadeira frota de viaturas da PM. Só assim ele pôde deixar o
Jefferson de Freitas em segurança, pilotando seu carro.
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