OS JOGADORES DO NÁUTICO VIRAM ESTRELA
Época do hexacampeonato do Náutico. O time estava
concentrado na Rua Santo Elias, no bairro do Espinheiro, perto do Estádio dos
Aflitos, com bastante antecedência, para um jogo importante. Num quarto amplo,
no primeiro andar, dormiam quase todos os jogadores. Antes de a turma se
recolher de vez, depois da costumeira sessão cinematográfica, lá mesmo na
concentração, havia aquele bate-papo, que atravessava horas. O técnico Duque,
conhecido pelo rigor e pela maneira autoritária de dirigir a equipe, era
respeitadíssimo. Chegava a ser temido pela boleirada.
Naquela noite, mesmo com os jogadores já estendidos no
leito, a resenha comia no centro. No seu quarto, Duque usava a tradicional máquina
de escrever portátil para datilografar observações e conclusões táticas, o que
fazia parte de sua rotina de trabalho. Ele devorava diariamente um monte de
jornais das mais diferentes procedências para se manter bem informado sobre as
coisas da profissão. Hoje, com a informática, certamente teria novos hábitos.
Duque tirou o pessoal da cama já perto da meia-noite |
Ao notar que a noite já avançava e a conversa não parava,
o treinador foi até o quarto da rapaziada e, com muita calma, mas num timbre de
voz forte e mandão, fez a pergunta, que servia de advertência:
– Vamos descansar, moçada?
A turma respondeu afirmativamente, como não poderia
deixar de ser. O treinador retirou-se para seus aposentos, mas logo o vozerio
voltou, acompanhado de algumas gargalhadas.
Irritado, Duque foi novamente ao dormitório, falando de
maneira enfezada:
– Boa noite, falei pra dormir, não foi?
E antes que alguém respondesse, ele emendou:
– Deem licença – e num gesto imediato apagou a luz.
Ainda não foi desta vez que o treinador alvirrubro viu
seu toque de recolher ser obedecido. O falatório continuou, apesar da
escuridão, embora em tom mais baixo.
Dando uma de detetive, Duque havia ficado no corredor,
ouvindo os cochichos. Perdeu a paciência. Ainda no escuro, apareceu de repente,
abrindo a porta, como se fosse um fantasma. Dirigiu-se ao interruptor e acendeu
a luz, causando aquele impacto:
– Não querem dormir não, é?
Os jogadores entreolharam-se espantados, já prevendo o
que poderia acontecer, diante da austeridade do chefe, que tomou uma decisão
inesperada:
– Vamos todos dar uma chegadinha até o campo.
A turma até pensou que se tratasse de uma brincadeira –
apesar de sua dureza, Duque tinha os momentos de gozação. Porém, logo todos
caíram na real. O homem estava de cara amarrada.
E lá se foi aquele bando de jogadores, às onze horas da
noite, pela Rua Santo Elias, a pé, rumo aos Aflitos. Este roteiro, caminhando,
eles estavam acostumados a fazer, pois a distância é pequena, mas durante o
dia. A maioria estava de bermuda, mas alguns iam de calção.
Chegando ao Estádio Eládio de Barros Carvalho, Duque providenciou
que os refletores fossem acesos, o que deixou o vigia do clube assustado.
Porém, o técnico tinha moral e não convinha contrariá-lo.
O pessoal – Fraga, Nino, Lala, Edgar, Clovis etc. –
adentrou o campo para dar três voltas ao redor do gramado, correndo. Eles
chegaram a ensaiar os primeiros passos, mas o negócio virou esculhambação, com
muita gente rindo. Virou caminhada. Depois de algum tempo, Duque deu o castigo
por encerrado e determinou o retorno à concentração. Já era meia-noite e os
jogadores ainda tiveram pernas para dar um pique até chegar em casa. O Recife
não apresentava o clima de violência em que vivemos hoje, mas não convinha
facilitar. Então, pernas pra que te quero.
Em tempo: Duque que morava na concentração, cumpriu o
percurso no seu conhecido fusquinha.
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