Artigo
escrito há alguns anos pelo jornalista GILBERTO PRADO (Betoca), falecido neste
domingo (7)
Betoca, tricolor, como os pais (Andrade Talis) |
Embora
com certa experiência de vida, a saudade apertava. Pela primeira vez fora do
Recife, sentia falta dos amigos, do futebol de salão e, principalmente, do
carinho materno. Estava começando a década de 1970 e eu passava a trabalhar no Diário do Povo de Campinas, São Paulo.
A
telecomunicação era difícil. Conseguia, com o auxílio de uma simpática
telefonista da Telesp, fazer uma ligação às segundas-feiras, para a minha mãe,
dona Alayde. Isso me dava tanta paz de espírito quanto os três terços que até
hoje rezo pelas almas, nesse mesmo dia da semana.
Por
que segunda-feira? Porque na segunda-feira ela podia fazer uma resenha de tudo
que era bom ou ruim ocorrido, principalmente entre os meus, durante o final de
cada semana.
Minha
mãe, no entanto, “aliviava” o que poderia ser considerada “notícia ruim”. Era
eufemista. Ninguém morria, por exemplo, “partia para uma melhor”. No início do
diálogo, quando perguntava se estava tudo bem, respondia sempre a mesma frase:
“Está tudo bem”.
Um
dia, em data que sempre fiz questão de não gravar, no início do diálogo, respondeu
de modo diferente à minha primeira pergunta, após a bênção, claro:
–
Tudo bem nada, meu filho. O Santa Cruz perdeu e o culpado foi seu pai.
Como
poderia isso acontecer? O meu pai, Diógenes, goleiro famoso, um dos
responsáveis pelo primeiro tricampeonato do Santa Cruz (1931-32-33) estava
sendo responsabilizado, na década de 70, quarenta anos depois, pela perda do
hexacampeonato que o Santa tentava alcançar? E – o que é mais grave – acusado
pela própria esposa, com quem conviveu por mais de 50 anos.
Nos
jornais da época, as versões eram diferentes. Em uma, no Náutico, o herói
chamava-se Lima, autor do gol da vitória. Em outra, no Santa Cruz, havia um
vilão: Raul Marcel, o goleiro.
Na
minha casa, entre meus familiares, prevalecia a afirmação da minha mãe:
–
O culpado foi seu pai.
Se
quem estiver lendo esta crônica tiver a paciência de continuar, posso explicar:
Como todos na minha casa, minha mãe era “tricolor sadia” (ser tricolor é uma
prova de sanidade). Religiosa e supersticiosa. Alguém lhe disse que se colocasse
a imagem de uma santa dentro de um jarro de aguardente, o Santa Cruz nunca
perderia.
Ela acreditou e o ritual começou a funcionar. Em toda partida do Santinha,
uma imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, segundo a crença de minha mãe,
“reforçava” o elenco coral.
Coincidência
ou não, vinha dando certo. Só não naquele dia. Logo o motivo foi descoberto. O
velho Diógenes resolveu adiantar o ‘serviço’ e ele mesmo tomou a meropeia,
antes do jogo começar. Não podia dar certo mesmo.
Grande Betoca, seus textos farão falta.
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