Foi iniciada a fase de exames laboratoriais
e teste físicos. No vestiário do Alçapão do Arruda passou a haver intensa
movimentação, com Laudenor Pereira em plena atividade no departamento médico. Quem
era aprovado ficava imediatamente liberado para os treinamentos, que estavam
sendo iniciados.
Gentil Cardoso havia pedido a
inclusão, na delegação, do preparador físico Jair Raposo, com o qual já tinha
trabalhado no Rio. O técnico sempre caminhava de um lado para outro do gramado,
carregando uma tabiquinha nas cores preto, vermelho e branco, tendo na parte
superior o formato de uma cabeça de cobra coral, o símbolo do Santa Cruz.
O centroavante Paulo orientando a pontaria no Alçapão do Arruda (Reprodução) |
Os jogadores passaram a dar
expediente integral na concentração, o que constituía uma novidade, muitas
vezes dormindo lá. Contou o jornalista Givanildo Alves na série “História do
Futebol em Pernambuco – 1950/1990”, publicada em 1995 pelo Diario de Pernambuco:
Com apenas 30 dias para treinamentos, os jogadores passaram a se
submeter a intensas atividades físicas pelo preparador Jair Raposo e supervisão
de Gentil Cardoso. De megafone na mão e boné na cabeça, ele ficava por dentro
do gramado dando as ordens. Em dado momento, o ponteiro direito Tião, que era
seu jogador preferido, bateu mal um escanteio. Gentil pôs o megafone na boca e
gritou:
– Vai bater de novo, Tião.
O ponteiro foi lá e bateu de novo. E mal. Gentil, incisivo: – De novo, Tião.
Com a bola debaixo do braço, o ponteiro voltou à orelha de corner. Chute
torto novamente, indo a bola por trás da barra.
– De novo, Tião – bradou Gentil.
Tião foi lá, ajeitou a bola na marca, ergueu-se e, de olhos rútilos,
encarou firmemente Gentil, que gritou pelo megafone:
– É a sua mãe, Tião!
Numa entrevista concedida ao mesmo
jornal, Rubem Moreira demonstrava sua felicidade pela presença da Seleção
Pernambucana no Equador, vestindo a camisa do Brasil.
– Antes de mais nada, devo esclarecer que não
foi pequeno o esforço desenvolvido para conceder a Pernambuco a honra de
defender o Brasil numa competição internacional de futebol. Qual Estado brasileiro não se sentiria honrado e jubiloso de representar
a CBD numa competição internacional? A batalha foi grande, porém, o prestígio e
o poderio do futebol pernambucano subiram a tal ponto que, finalmente, foram
reconhecidos pela alta direção da CBD.
JAIME DA GALINHA
Comandava a parte administrativa o
superintendente da FPF, Jaime de Brito Bastos, o popular Jaime da Galinha.
O apelido surgiu na época em que ele
jogava basquete pelo Náutico. Numa decisão com o Sport, nos Aflitos, por estar
suspenso, portou-se como mero espectador, misturando-se à torcida. Um torcedor
alvirrubro apareceu com uma galinha preta amarrada a uma fita vermelha,
portanto, nas cores do adversário. Sem dúvida, um catimbó para segurar o time
rubro-negro.
Jaime:sempre atento e divertido |
O problema era encontrar alguém que tivesse
coragem de jogar a ave no meio da quadra. Hoje seria uma ação merecedora de
reprimenda, mas naquele tempo, ninguém dava importância. Jaime, chegado a uma
galhofa, encarregou-se da tarefa. Foi aquela agitação, com correrias, da
galinha e dos jogadores em meio à quadra.
A partir daquele incidente, como havia
outras duas pessoas no Náutico chamadas Jaime, quando alguém se referia ao
autor do ‘galinhaço’, tratava-o como “Jaime, o da galinha”. A alcunha pegou.
Folclore à parte, Jaime de Brito
Bastos, falecido em 25/08/2006, formado em educação física, trabalhou no
futebol do Náutico, Santa Cruz e Sport, como preparador. No Santa chegou a ser
o técnico da equipe principal em 1964 Ex-jogador e ex-treinador de basquete,
com vários títulos conquistados, inclusive o de campeão carioca duas vezes pelo
Botafogo, militou noutros esportes, como o atletismo, tendo chegado a ganhar
medalha de bronze no arremesso de pesoç e na corrida de 75 metros rasos. Foi
também professor de natação. Trabalhou muito tempo no Sesi, na área esportiva e
recreativa.
Era preciso ter paciência para
suportar as exigências e caprichos de Gentil Cardoso, qualidade que sobrava em Jaime,
acostumado a lidar com os rompantes de Rubem Moreira, na Federação.
Entre outras coisas, o treinador determinou
que aos jogadores fosse servido do bom e do melhor e não abria mão do que
chamava de “pequeno almoço”, um lanche reforçado entre o café da manhã e o
almoço.
LEMBRANÇAS DA CASERNA
O suboficial Gentil Cardoso tinha
orgulho da passagem pela Marinha do Brasil, não escondendo sua satisfação
quando era chamado de Velho Marinheiro. A lembrança da caserna ainda o
acompanhava, levando-o a tomar no futebol algumas medidas, como se ainda
estivesse no quartel.
Gentil Cardoso dando instrução aos jogadores (Reprodução) |
Foi bastante criticado quando ordenou
que a turma da Cacareco cortasse o cabelo no estilo recruta. Era o corte
‘jaquideme’, na linguagem do povão, bastante usado pelos jovens. Era inspirado no
modelo usado por Jackie Dempsey, famoso pugilista norte-americano, que ao
cortar o cabelo mandava rebaixar bastante a parte de trás.
Como não poderia deixar de ser, houve
quem chiasse, mas sem efeito. Um barbeiro foi contratado para comparecer ao
Arruda a fim de deixar as cabeleiras dos futuros representantes do País, lá
fora, dentro do figurino.
– Os que que vieram do Sul, Edson,
Goiano, Paulo e Servílio não gostaram nem um pouco, mas tiveram que obedecer.
Não havia necessidade, e ele (Gentil)
fazia aquilo pra se mostrar. Queria aparecer
– comentou o ex-jogador Zé Maria, um dos integrantes da Cacareco, em
entrevista a mim concedida. O paraense José Maria Sales já havia trabalhado com
Gentil, em 1955, no Sport.
Cada jogador recebeu uma cartilha
intitulada “Regulamento do Atleta”, contendo 40 normas a serem cumpridas, com
destaque para o item 10: “Acatar com respeito os conselhos do técnico. Seguir
as suas instruções, atender as suas observações e reconhecer a sua autoridade.”
Outro aspecto da caserna dado pelo
Velho Marinheiro – uma
das muitas alcunhas de Gentil – foi criar o cargo de oficial
de dia na concentração. Diariamente um jogador, como se estivessem todos num quartel, assumia essa
função, encarregando-se de resolver ou encaminhar os problemas que surgissem.
Cabia-lhe escrever uma frase de apelo moral ou cívico num quadro negro, sob a
epígrafe de “lema do dia”. Novamente Zé Maria dá o seu pitaco com muito
conhecimento de causa:
– Ele
fazia isso também
no Sport, na concentração de
Caxangá. O oficial de dia era mais pra não deixar os jogadores irem para os
quartos dormir, depois do almoço. Gentil dizia que fazia mal, mas ele ia –
ironiza o paraense, que durante vários anos foi capitão da equipe rubro-negra.
Aliás, certo dia na
concentração da Cacareco o quadro desapareceu, mas como se tratava de uma das
inúmeras presepadas que os jogadores faziam com o técnico, terminou sendo
colocado no devido lugar.
AULA DE CANTO
Quando o grupo já estava definido,
faltando pouco para a viagem, foram programadas aulas de canto diariamente,
organizadas por Gentil, com o apoio do presidente Rubem Moreira.
–
É uma vergonha chegar a Seleção Brasileira lá fora
e os jogadores não saberem cantar o hino do seu país ou algumas canções-pátrias
– queixava-se o treinador, com razão, pelo menos em relação ao Hino.
Foi
contratado o maestro da banda dos Fuzileiros Navais para ensaiar com o
elenco. Participavam todos os membros da
delegação, inclusive o presidente da Federação, o irrequieto e explosivo
Rubem Moreira, chegado a um palavrão, mesmo nas suas conversas coloquiais.
Enquanto isso, Ivanildo Souto da Cunha,
ex-jogador e dirigente do Náutico, gerente de banco, renunciava ao cargo de
supervisor da Seleção, alegando afazeres profissionais. Era voz corrente,
entretanto, que o velho ídolo Espingardinha, da torcida alvirrubra. não
aceitara os métodos de Rubem, que costumava dar palpite em tudo.
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