Por MARCOS LIMA MOCHILA (*)
O futebol brasileiro está longe de se comparar aos níveis de outras
plagas, como as europeias. Do futebol do Nordeste, então nem se fala.
Além das mazelas comuns a todos, em todos os rincões deste país
tropical, há ainda o fator discrepância, pois, assim como em todos os segmentos
da sociedade tupiniquim, o fenômeno da pirâmide também se passa pelo futebol,
onde são poucos ganhando muito e muitos ganhando pouco ou até NADA.
Esses muitos que ganham muito pouco ou até nada são justamente os do
Nordeste. Salvo uns pouco gatos pingados, a maioria dos clubes nordestinos está
em completa decadência, naquela posição de fecha ou não fecha.
O motivo, todos conhecem como a palma da mão: má administração, mau
gerenciamento, corrupção, desrespeito à paixão do torcedor... e por aí vai. Mas
também há que se registrar que a Big Sister CBF, além de ter o olho muito
grande e querer sempre abocanhar a maior parte do bolo, ainda cria artimanhas
para que só os grandes clubes do Sul/Sudeste Maravilha se deem bem.
A dupla Edno e Diógenes devolveu a autoestima aos alvirrubros (nauticonet.com.br) |
Mas, como tudo na natureza, sempre surgem uns fenômenos, coisas inexplicáveis,
que chamam a atenção de todos os conhecedores do sistema normal.
Por aqui, pelo Pernambuco cansado de guerra, por duas vezes um mesmo
clube conseguiu uma façanha inimaginável: o Clube Náutico Capibaribe, o clube
alvirrubro da Rosa e Silva que, por coincidência, tem como sua praça de jogos o
Estádio dos Aflitos. E é justamente lá que, mais uma vez, se juntam todos os
aflitos alvirrubros, que sofrem mais do que sovaco de aleijado.
Mas, como ia dizendo, por duas vezes esse clube surpreendeu sua torcida
e os grandes conhecedores desta ciência, que é o Futebol:
Em 2001, um ano em que já começou com a desconfiança da torcida, pois,
nos anos anteriores o Náutico vinha numa queda de produção, há 11 anos sem
ganhar um título estadual. Pra começar, logo no início do ano, o presidente
Fred Oliveira renunciou ao mandato de presidente, quando André Campos assumiu o
comando sob descrédito total. A torcida não vislumbrava nada positivo para
aquele time de pernas de pau e, ainda por cima, via o grande rival Sport,
pentacampeão em 2000, com grandes chances de tirar a hegemonia do hexa do
Náutico, no ano do seu centenário, alcançando o hexacampeonato e igualando a
marca que se tornou o maior orgulho da torcida timbu.
Em 2001, André Campos salvou o centenário e o orgulho do Hexa (ne10.uol.com.br) |
A torcida começou a fazer pressão já nos primeiros treinos, já que o
Náutico contratou um time inteiro e, no meio deles, um desconhecido Kuki do
qual ninguém nunca tinha ouvido falar, para o técnico Júlio Espinosa tentar
fazer algum milagre. Ele não conseguiu, foi dispensado e, após a chegada de Muricy
Ramalho, o time engrenou e o então desconhecido Kuki tornou-se ídolo e grande
goleador do time e o Náutico sagrou-se campeão pernambucano evitando, de
quebra, que o Sport igualasse o seu maior feito nos certames estaduais.
Kuki, para sempre um ídolo da timbuzada (futebolbahiano.org) |
Em 2018, o Náutico estava numa situação quase idêntica à de 2001, também
anotando em sua história a renúncia de dois presidentes e o clube sendo
assumido por dois, até então, dirigentes desconhecidos do mundo do futebol
pernambucano.
O time começou dando cabeçadas mas, sob o comando de Roberto Fernandes,
grande torcedor alvirrubro, além de técnico, viu o Sport e o Santa Cruz serem
eliminados da fase final do campeonato e, enfrentando o Central nos dois
últimos jogos, garantindo sua 22ª conquista estadual e a quebra do maior jejum
do clube, com 13 anos de intervalo sem títulos.
Veio 2019 e o Náutico não conseguiu o bicampeonato estadual, perdendo a
decisão final para o Sport. Nos campeonatos regionais, foi eliminado da Copa do
Nordeste e da Copa do Brasil, só restando o Campeonato Nacional da 3ª Divisão,
a Série C. A maior torcida era para que ele conseguisse manter-se mais um ano
na Série C, pois existia o medo ainda maior de não se classificar para se
manter e cair para o inferno do futebol brasileiro: a fatídica Série D.
Pois bem, pra encurtar esse nosso papo futebolístico domingueiro, o
Náutico trouxe o treinador Gilmar Dal Pozzo, acreditou na meninada das divisões
de base, entre eles Jefferson, Hereda, Rafael Ribeiro, Diego Silva, Vaguininho,
Tiago, Bruno e Robinho, juntou-os com alguns veteranos e, não só conseguiu o
acesso para a Série B de 2020, como ainda por cima foi o Campeão da Série C.
Jefferson simboliza a conquista do título de campeão da Série C (esportefera.com.br) |
Qual o segredo desses dois anos em que o time não contou com uma grande
estrela como em 2001, quando descobriu Kuki?
As estrelas, que podem muito bem contar esse segredo, no jogo final, em
São Luís (MA), não quiseram ficar em camarotes. Edno Melo, presidente, e
Diógenes Braga, vice-presidente, viram o empate por 2 a 2 com o Sampaio Corrêa
no meio da torcida. E junto com ela – a torcida – também entraram no gramado do
Castelão para comemorar esse grande feito.
Dessas estrelas, um grande conhecedor de futebol e de administração de
clubes, que também escreveu seu nome na história do futebol pernambucano, José
Neves Filho, presidente do Santa Cruz de 1985 a 1988 e de 2003 a 2004, falou o
seguinte: “Esses dois meninos, Edno e Diógenes, deram uma aula de como se
administrar um clube, sem muitos recursos, com capacidade de gerenciamento
totalmente profissional. Sem sombra de dúvidas, são eles os grandes responsáveis
pelo sucesso do Náutico nesses últimos dois anos”.
Falou e disse.
(*) Marcos Lima Mochila é jornalista, editor da Revista Total e do Blog
Revista Total e coadministrador do Portal Referência BRASIL
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