Além das músicas de Capiba e Nelson Ferreira, abordadas em reportagem anterior, o Santa Cruz foi aquinhoado com outros frevos-canção, como Cobrinha no Gramado, que rivaliza com o Mais Querido, de Capiba, na preferência dos torcedores. Foi composto em 1942 por Sebastião Rosendo, que atendeu a um pedido de Aristófanes de Andrade. Este foi um baluarte do Santa Cruz, e tem seu busto esculpido em bronze à entrada do Estádio José do Rego Maciel, ao pé do elevador. Como os clubes pernambucanos são simbolizados por animais, o compositor deu ênfase a esse aspecto. Gravada originalmente por Expedito Baracho, a música diz:
Eu sou Santa Cruz de corpo e alma
E serei sempre de coração
Pois a cobrinha quando entra no gramado
Eu fico todo arrepiado
E torço com satisfação
Sai, sai timbu
Deixa de prosa oh seu leão
Periquito, cuidado com lotação
Que matou pássaro preto
Santa Cruz é tradição
(Traduzindo: cobrinha
– Santa Cruz, timbu –
Náutico, leão –
Sport, periquito
– América, lotação
– o extinto Auto Esporte, clube dos motoristas, e pássaro preto – Íbis)
Sebastião Rosendo |
Sebastião Rosendo contribuiu outra vez para aumentar o
repertório do Santa Cruz na frevança, com Pentacampeão, lançado em 1973, numa parceria
com Gildo Branco. Este, durante muito tempo foi o gerente do Clube Português do
Recife e tinha um ótimo relacionamento com pessoas da sociedade, da imprensa,
políticos, músicos, etc. O motivo da música era, obviamente, homenagear o
pentacampeonato coral.
Somos pentacampeões
Com raça, orgulho e amor
Santa Cruz é tradição
É um prazer dizer sou tricolor
Seu pavilhão tremula sempre
Num eterno pedestal
O seu passado de glórias
Tornou-se tradicional
O mais querido Santa Cruz
Presente às multidões
Vamos cantar e sorrir, família tricolor
Somos pentacampeões.
INSPIRAÇÃO DE LACRAIA
Durante muito tempo, João e Artur Valença formaram a célebre
dupla Irmãos Valença, com uma forte presença no cancioneiro pernambucano,
principalmente no Carnaval. Teu
Cabelo não Nega, composta por eles, inicialmente com o nome de Mulata, custou um processo
durante muitos anos contra o famoso Lamartine Babo.
– Ele apossou-se de nossa música, fez algumas alterações e
gravou com o nome de Teu
Cabelo não Nega, como se fosse sua – alegavam os Valença.
Raul e João (ao piano) Valença |
Os irmãos ganharam a questão, e o nome da dupla passou a
aparecer nos discos, junto com o de Lamartine. Eles compuseram até 1977, quando
Raul morreu. João faleceu em 1983, portanto, seis anos depois do irmão.
Apaixonados pelo Santa, baseados numa cançoneta de Teófilo
Batista de Carvalho, o centromédio Lacraia, dos primeiros anos do clube, os
Valença, de cuja verve saiu o hino oficial do Santa Cruz, compuseram o Papa Taças, frevo-canção
destinado a louvar o Tricolor.
A “poeira”, como é conhecido por estes lados o degrau mais baixo
da escada social, que desde o início do Santa Cruz domina sua torcida, é
mencionada na música:
Quem é que quando joga
A poeira se levanta
É o Santa, é o Santa
Escreve pelo chão
Faz miséria e não se dobra
É a cobra, é a cobra
É sem favor o maioral
O tricolor, a cobrinha coral
O mais querido timão das massas
Por apelido o papa-taças
MARAMBÁ
Quem também deixou seu nome inscrito entre os que têm enaltecido
o Santa Cruz, através das pautas musicais, foi José Mariano da Fonseca Barbosa.
Um dos irmãos de Capiba, tinha como nome de guerra Marambá. Todos nascidos em
Surubim, no Agreste de Pernambuco, Marambá atuou no conjunto denominado Os Capibas, que reuniu alguns dos 12
filhos do maestro Severino Atanásio de Souza Barbosa, o Capiba original.
Marambá, tricolor, como o irmão Capiba |
Cobra Coral é o nome do frevo-canção que ele fez em 1959, em parceria com
Geraldo Costa, gravado por Rubens Cristino, sob o selo Mocambo, da gravadora
Rozenblit. A orquestra era a do eclético Nelson Ferreira, tricolor como Marambá.
Música curta, que dá mais evidência à execução metálica.
Quando aparece num
gramado
O Santa Cruz dando xaxado
O adversário vai cair
Disso não pode fugir
Deixa a fumaça subir
Deixa queimar, não faz mal
Podem mexer com toda cobra
Menos com a cobra coral.
Outros compositores e cantores dedicaram frevos-canção ao Santa
Cruz. No elepê Ecos do
Carnaval, volume 2, lançado pelo cantor Arlindo Melo para o
Carnaval de 1978, há Euforia
de Tricolor, composto por Osvaldo G. de Araújo e José Júlio de
Lima. Osvaldo, apesar de ser tricolor, fez música também para o Náutico.
Vejamos sua loa ao Santa:
Eu salto, pulo e grito
É claro que estou certo
Não adianta esta retranca
O meu
time joga aberto
Meu time é arrojado
Já me disse um torcedor
Que anda até cansado
De tanto gritar gol
Quá, quá, quá, quá
Ora povo, meu time é forte
Temos craques pra seleção
Caramba, aguenta as pontas
Vou pular, vou gritar
Não leve a mal
Jogar com o Santa
O trunfo é pau.
LOUVAÇÃO AO GALEGO
Caso raro de cartola-ídolo era James Thorp, na época em que o
Santa, depois de tirar o pé da lama em 1969, pois fora campeão pela última vez
em 1959, além de desbancar o hexacampeão Náutico, passou a mandar no futebol
pernambucano cinco anos seguidos – 1969/73.
O milionário recifense James Mark Soutton Thorp, filho de
inglês, principal acionista do braço nacional da White Martins, jogou uma
fortuna no Santa Cruz e teve tudo a ver com aquela fase tricolor, pois pelo
menos durante um bom tempo, financiou o clube. Era chamado pelo povão de Seu Jime, O Galego ou O Inglês.
Apesar de torcer pelo Náutico, o músico Inaldo Vilarim
dedicou-lhe um frevo-canção com o nome quilométrico de James Thorp, sangue novo no velho
tricolor. Vilarim começa usando uma frase do inesquecível bolero Dez Anos, gravado pela genial
Emilinha Borba, para entrar no frevo:
Assim se passaram dez anos
Sofremos calados com resignação
Mas esse ano a coisa mudou
E o Santa voltou a ser o grande campeão
A torcida tricolor ficou contente
Se Deus quiser vai ser assim daqui pra frente.
James e dona Carmen, como ele, apaixonada pelo Santa |
É dessa época, também, o Arrancou
pra Valer, da dupla Delange Dolores e Fernando Leite Cavalcanti:
Falavam que no Santa Cruz
Tinha uma cabeça de burro enterrada
Mas James Thorp chegou
E arrancou a danada
Agora tudo mudou
Vocês viram que a torcida mudou
Agora tudo mudou
E a alegria reinou
No coração tricolor.
Da mesma dupla é Três
Listrinhas, também frevo-canção, em que é mencionado o Mundão do
Arruda, como é popularmente conhecido o Estádio José do Rego Maciel, onde em
1972 foi disputada uma chave – Eire, Equador, Irã, Chile e Portugal – da
Copa Independência, a Minicopa, com que se comemorou em todo o Brasil, o
150º aniversário da independência nacional.
Eu este ano vou brincar
Com meu amor
No carnaval tricolor
Minha camisa vai ser
De três listrinhas
Vermelha, preta e branca
Em homenagem à cobrinha
Perto da sede
Seu estádio é um cenário
Palco da Minicopa
No Sesquicentenário
BRÁULIO DE CASTRO: PEODUÇÃO MACIÇA
Outros
frevos-canção que glorificam o Mais Querido, como é conhecido o Santa Cruz,
fazem parte do CD Veneno da Cobra, produzido por Bráulio de Castro, e que reúne uma gama de tricolores, com apresentação do
jornalista esportivo Paulo Moraes (Aragão), um tricolor que durante muitos anos
esteve à frente do setor esportivo na TV Globo Nordeste. Há sambas também, mas
no caso desta série de reportagens, o ritmo que está em foco é apenas o
frevo-canção. Vejamos:
Nasci Santa Cruz, de Bráulio de Castro, gravado por
Bubuska
Não
adianta mudar, seu dotô (sic)
Meu
coração será tricolor
Eu
não me canso de dizer
Sou
Santa Cruz até morrer
É
o mais querido
O
mais aplaudido
Nossa
tradição ele traduz
Toda
criança chora quando nasce
Mas
eu nasci gritando Santa Cruz
(Bateria: Enoque,
sax-alto: Enrico Monteiro, trompete: Bruno Dias, trombone: Nino, pandeiro:
Walmir Chagas, o Véio Mangaba – baixo e teclados: Bruno Dias)
Cobrinha Sapeca, também de Bráulio de Castro, cantado
por Bubuska.
Lá
vem a Cobra
Fazendo
o maior sururu
Lá
vem a Cobra
Levantando
a poeira do chão
Lá
vem a Cobra
Fazendo
o maior sururu
Vem
traçando timbu
E
comendo leão
Que
Cobrinha sapeca
Que
Cobrinha de raça
Quando
entra em campo
Faz
vibrar toda massa
Ela
traça timbu
Ela
come leão
Essa
Cobra Coral
É
mesmo o bicho-papão
(Bateria: Enoque,
sax-alto: Enrico Monteiro, trompete: Bruno Dias, trombone: Nino)
Bráulio de Castro: Santa Cruz e Carnaval |
A Cobra Vai Fumar – de Bráulio de Castro e Ed Carlos,
canta Ed Carlos
Ê,
ê, ê, ê
Ê,
ê, ê, ê
Ê,
ê, ê, ô
Ê,
ô, ê, ô
Sou
Santa Cruz
Sou
tricolor
Com
muito amor
Um,
dois, três, o show vai começar
Um,
dois, três, a Cobra vai fumar
(Bateria:Enoque,
sax-alto: Enrico Monteiro, trompete: Bruno Dias, trombone: Nino, pandeiro:
Walmir Chagas, coro: Fátima de Castro, Bráulio e Chico Nunes)
Santa, Campeão Arretado – de Fernando Neves e Leôncio
Rodrigues. Canta Ed Carlos
Santa
do meu coração
Time
das multidões
Serás
sempre campeão
Lá
fora ou no Arrudão
O
teu nome é respeitado
Será
sempre o mais querido
E
quando estás arretado
Tomem
cuidado, é um perigo
A
galera toda gritando
Santa
Cruz campeão afamado
O
rival calado, humilhado
Sai
de bandinha, apavorado
(Bateria: Enoque,
sax-alto: Enrico Monteiro, trompete: Bruno Dias, trombone: Nino, pandeiro:
Walmir Chagas – Véio Mangaba – baixo e teclados: Bruno Dias)
Papai Tricolor – frevo-de-bloco de Fátima de Castro,
cantado por ela mesma, que se acompanha no violão. Na flauta, Laurivan Barros.
Papai
um dia
Me
ensinou a ser feliz
Olhar
a vida
Com
respeito e muito amor
A
ser criança
Cultivar
minha paixão
E
conservar
Meu
coração bem tricolor
Sinto
saudade
De
ouvir papai falar
Que
o seu Santa
Ninguém
pode segurar
Guardo
comigo
Toda
sua emoção
Quando
gritava
Santa
Cruz é campeão
FORRÓ E GETÚLIO
Maestro
Forró e Getúlio Cavalcanti também são dois arraigados torcedores do Santa Cruz
desde quando ainda eram garotos, cada uma na sua cidade natal – Forró em
Aliança e Getúlio em Camutanga, ambas na Região Norte de Pernambuco.
Francisco
Amâncio da Silva, o Maestro Forró, veio logo cedo morar no Recife. Foi criado
na Bomba do Hemetério, bem pertinho do bairro do Arruda, onde o Santa Cruz está
localizado. O gosto pela Cobra Coral e pela música foi herdada do pai, o
conhecido Amâncio do Coco, um especialista em coco de roda, maracatu rural, ciranda
e outros gêneros afins.
Maestro Forró: frevo de rua para o Santinha |
Já adulto, projetado no cenário musical por intermédio
de sua Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, o conhecido maestro criar o
primeiro e único frevo de bloco da discografia tricolor, conforme afirmou em
depoimento dado para o livro Santa Cruz
de Corpo e Alma.
– Verifiquei que enquanto Náutico e Sport
tinham frevos apenas musicais (Come e
Dorme e Casá, Casá) , sem letra, compostos pelo tricolor Nelson Ferreira, o
Santa Cruz carecia de uma música no gênero. Vulcão
Tricolor veio preencher essa lacuna e por ter aproveitado alguma coisa de
Nelson, coloquei-o como parceiro póstumo – contou o Maestro Forró.
HINO DOS 100 ANOS
Getúlio
é, atualmente, o mais destacado compositor e intérprete de frevos de bloco,
gênero exclusivo de Pernambuco. Sem que se trate de um frevo, ele presenteou o
Clube das Multidões, em 2014, quando o Santinha comemorou seu centenário de
fundação, com este hino:
Santa
Cruz. cem anos de paixão.
Quem
nasceu tricolor
No
Arruda vibrou
Embalando
a Torcida
Tem
a Gloria de Ser
De
sorrir de viver
Todo
encanto da vida
Tendo
sangue vermelho
O
preto é espelho
Da
raça que faz
A
mais pura nação
Que
enfeitou seu pendão
Com
o branco da paz
Vai
meu Santa Cruz
Maior
torcida do Brasil tu és
Neste
Centenário
És
santuário que encanta teus fieis
Vamos
te ofertar
Com
muito orgulho nosso coração
Cem
anos de amor
Por
ti tricolor
Tri
super campeão
Tri,
Tricolor
Tri,Tri,Tri,Tri,
Tricolor
Getúlio Cavalcanti |
BLOCOS
TRICOLORES
Cobra Fumando (Recife, Arruda/desde 1992, com desfile na segunda-feira)
Triloucura (Bezerros/2004, segunda-feira)
Minha Cobra (Olinda, Sítio Histórico/2006, segunda-feira)
A Cobra Vai Subir (Afogados da Ingazeira/2008, terça-feira)
Paixão Coral (Pesqueira/2009, segunda-feira)
Minha Cobra nas Virgens (Surubim/2009, domingo pós-carnaval)
Naza Coral (Nazaré da Mata/2011, domingo)
Tricolor na Folia (Timbaúba, segunda-feira)
Veneno Coral (Bom Jardim, domingo)
Furacão Coral (Ribeirão, domingo)
Santamares (Palmares, quarta-feira)
Por LENIVALDO ARAGÃO
Comentários
Postar um comentário