Depois do segundo jogo em Manaus, os jogadores
Pinhegas, França, Papeira, King e Edésio, e o chefe da delegação, Aristófanes
Trindade, tiveram um princípio de disenteria. Foram medicados e se recuperaram.
Teriam que evitar bebidas alcoólicas, ovos e crustáceos, devendo comer frutas e
verduras, bebendo somente água mineral.
A excursão esteve para ser estendida
às Guianas e ao Peru, porém, o CND (Conselho Nacional de Desportos) havia
recebido uma ordem do Itamarati, proibindo a saída do País, de qualquer
delegação esportiva, enquanto durasse a guerra, que se alastrava por várias
partes do mudo. Com isso, o Clube das Multidões adiou seu batismo internacional,
que só veio a acontecer em 1979, com uma viagem à Arábia. Idêntica medida tinha
sido tomada em relação a um clube gaúcho que pretendia se exibir no Uruguai.
Solenidade, com banda de música, antes da estreia do Santa em Manaus |
Santa Cruz novamente no
rio-mar, agora descendo pelo vapor Fortaleza, que ligava a peruana Iquitos a
Belém, onde o Tricolor pegaria um ita e voltaria para o Recife. Os navios da
linha Ita - Itaquicé,
Itapé, Itanagé, etc. – dominavam a costa brasileira, merecendo
até canção do baiano Dorival Caymmi: ...Peguei
um ita lá no Norte / Pra vir pro Rio morar...Os planos falharam porque
houve uma série de contratempos.
O navio-gaiola parava de
seis em seis horas para ser reabastecido de lenha pelos nativos. Na madrugada
do terceiro dia, em Santarém, os jogadores King e Papeira tiveram uma recaída.
A médica de bordo constatou nos dois tersã
maligna, uma doença da família do tifo. Um radiograma foi passado à direção
da Tuna Luso, pedindo reserva de cômodos no Hospital Dom Luiz I, da
Beneficência Portuguesa. Segundo Aristófanes, Papeira batera bola descalço,
tomara banho frio e ingerira bebida alcoólica. King, um bom prato, jantara
fartamente numa daquelas noites, comendo fígado e ovos, alimentos proibidos
para os que ainda convalesciam do mal gástrico sofrido antes da partida de
Manaus.
No dia 28 de fevereiro, o
Santa desembarcou outra vez em Belém, e King e Papeira foram logo hospitalizados.
A delegação tinha passagens reservadas para sair no primeiro paquete que demandasse
o Sul e passasse por Pernambuco. Todavia, em 1° de março foi decretada a
paralisação do tráfego marítimo. A solução era ir conseguindo jogos para pagar
as despesas de alimentação e hospital. Pelo menos com a hospedagem não se
gastava nada. O Clube do Remo havia cedido sua garagem náutica. Jogos na base de 50 por cento da renda
líquida.
Omar, Pelado e Sidinho, que
tinham terminado contrato, haviam ficado em Manaus para vestir a camisa de um
clube local.
JOGADOR
NO XADREZ
Preparativos para enfrentar
o Remo, em 2 de março. O chefe de polícia de Belém, Dr. Gueiros, pernambucano
de Garanhuns, recebeu um telegrama de Manaus, informando que o zagueiro Pedrinho
tinha “feito mal” a uma menor de 17 anos quando da estada do Santa, na capital
amazonense. O jogador foi para o xadrez a fim de aguardar a chegada de um
agente policial do Amazonas, que o levaria para casar.
Aristófanes encostou Pedrinho
no canto da parede, mas o atleta negou, com veemência. O dirigente logo matou a
charada e começou a mexer com os pauzinhos. Véspera do jogo, Dr. Gueiros
prometeu liberar Pedrinho, se este prometesse casar. Pedrinho disse que pegaria 100 anos de
cadeia, mas não confessaria um crime que não cometera.
– Queriam que ele ficasse em
Manaus com Pelado, Sidinho e Omar, e o único meio de ‘prendê-lo’ era aquele
expediente. Mas nem namorada Pedrinho tivera na capital do Amazonas – disse Aristófanes,
que o aconselhou a prometer casar.
– Confesse. Diga que vai
casar porque casamento não vai haver. Não me pergunte como, mas tudo sairá
muito bem, se você fizer isto – sugeriu o chefe da delegação.
A contragosto, Pedrinho foi
à Central de Polícia, com o jornalista e dirigente que presidia a embaixada,
tendo declarado sua disposição de contrair núpcias com a tal menor. Ganhou a
liberdade, de imediato. Teria que voltar na terça-feira, às 15 horas a fim de viajar
para Manaus, em companhia de um agente policial.
Antes e depois do jogo,
Pedrinho conversou tranquilamente com o presidente da embaixada do Santa Cruz.
Foi dado ao jogador o nome da jovem ‘ofendida’, idade, filiação e demais
características fornecidas pela polícia amazonense a fim de ser preso o sedutor
da menor.
– Na terça-feira, precisamente às 15 horas,
comparecemos à Central de Polícia, com Pedrinho. Lá estava o diretor do clube
amazonense. Dr. Gueiros perguntou de súbito: - – E o rapaz?
– Está aqui – respondeu o
presidente da embaixada tricolor, ao mesmo tempo em que entregava àquela
autoridade, uma procuração, legalizada, autenticada em cartório, autorizando a
Pelado casar com a menor fulana de tal, em face da Lei, etc., etc., em seu
nome.
O diretor do clube amazonense quis ficar ‘brabo’, mas o chefe de polícia,
Dr. Gueiros, declarou que estava tudo muito certo. A Lei estava rigorosamente
cumprida. O casamento por procuração substituía a presença de um dos nubentes.
A esse tempo Pedrinho assinava a carta dirigida a Pelado, pedindo-lhe que
comparecesse ao cartório para ultimar a cerimônia.
– O fato é que a jovem
‘ofendida’ não apareceu até hoje – finalizou o esperto dirigente tricolor, que,
com argúcia e inteligência, livrou Pedrinho da falsa acusação que lhe fora
imputada, com a finalidade precípua de levá-lo como uma atração a mais do
futebol amazonense.
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