Ovos, galinhas e cajus

Essa pendenga surgida no CT, em implantação, do Santa Cruz, com a notícia da venda de ovos fornecidos por umas trinta galinhas criadas por João Caixero parece que está sendo abrandada, se já não foi totalmente superada. A intenção do antigo dirigente não foi digerida – digo a ideia, não os ovos – pelos demais participantes da construção do Ninho das Cobras, como o grupo Tricolores do CT. A verdade é que Caixero tem feito de tudo para arrumar alguns trocados a mais para ajudar a Comissão Patrimonial a tocar as obras, como vender bolo de rolo com rótulo tricolor. Desta vez, Joca, como é conhecido, fez as estruturas do Mundão do Arruda estremecerem, tanto foram as vozes contrárias por se achar que a quantidade de ovos obtida por dia é uma coisa ridícula para a grandeza do Santa Cruz. Se houvesse entre elas, pelo menos uma galinha dos ovos de ouro...

PALMEIRA DOS CAJUS E DAS GALINHAS

Isso me fez lembrar José Mariano Carneiro Pessoa, o famoso técnico Palmeira, que mantinha um galinheiro e vendia cajus colhidos na concentração do Náutico. Como a nova geração não o conhece, é preciso que seja apresentado, a começar pelo apelido. Na adolescência jogava de zagueiro, e era chamado de Palmeira por ser alto e magro. Fora do futebol, um fidalgo, mas no seu metier, durão e explosivo. Sempre se encrespava com juiz ou com jogador, a favor e contra. Antes de ser treinador, foi árbitro.

Palmeira, árbitro

Palmeira, técnico do Sport

Palmeira, primeiro em pé, embarcando com o Náutico para a Europa

Palmeira dirigiu as quatro principais equipes pernambucanas, na época em que o América figurava nesse rol, e a seleção estadual várias vezes, bem como o América carioca e o Vitória da Bahia. Em Pernambuco conquistou sete títulos e meio de campeão, sendo 3,5 pelo Náutico (1950, 51 e 52 e parte de 54), 2 pelo Santa Cruz (46 e 47) e 2 pelo Sport (61 e 62). Foi também campeão baiano.

Verdadeiro recordista, na primeira vez que comandou o Santa Cruz, passou 3 anos e 7 meses, ininterruptos; no Náutico foram 4 anos e 10 meses,  e no Sport, 4 anos e alguns dias, segundo levantamento do médico escritor Lucídio Oliveira. Bem diferente de hoje...

Começo reproduzindo uma matéria publicada pelo Diário de Pernambuco, na terça-feira 3 de novembro de 1954 (naquele tempo o DP, como seu concorrente Jornal do Commercio, não circulava na segunda).  Sob o título “Provável rescisão do contrato de Palmeira”, o Diario trazia a notícia de uma briga do treinador do Náutico e o atacante Djalma, o popular Djalma Bocão, que nada tem a ver com outro Djalma, do América, Sport e Porto (POR). Dizia o mais antigo órgão de imprensa em circulação na América Latina:

“Na manhã de domingo, poucas horas antes do encontro com o Santa Cruz, estavam os alvirrubros, técnico e jogadores, em sua concentração, em Beberibe. Em dado momento, o técnico Palmeira divisou os jogadores Manuelzinho, Djalma e Wilton, que vinham do lado do pomar onde está localizada a concentração. Vinham alegres, e Djalma trazia alguns cajus nas mãos. Ao vê-los, Palmeira se dirigiu aos jogadores, dizendo-lhes que eles bem sabiam que aqueles cajus eram dele, Palmeira, e não podiam ser tirados, pois eram para vender. Djalma respondeu às palavras do técnico com uma brincadeira, o que irritou mais ainda Palmeira, que, a essa altura avançou para Djalma. O jogador revidou a agressão, travando-se um corpo a corpo, que foi logo encerrado pelos outros jogadores presentes. Poucos instantes depois, chegava um dos diretores do Náutico, por sinal, o diretor de futebol, a tempo de ainda observar qualquer anormalidade. Procurou inteirar-se do ocorrido e, uma vez a par dos acontecimentos, comunicou-se imediatamente com o presidente Eládio de Barros Carvalho. Como não poderia deixar de ser, o presidente do alvirrubro determinou logo o afastamento de Palmeira e Djalma da concentração e afetou o caso à diretoria do clube, que hoje à noite vai apreciar os acontecimentos”.

Com a saída de Palmeira, o capitão do time, Ivanildo (Souto da Cunha, conhecido na intimidade da equipe por Espingardinha) passou a ter a dupla missão de jogar e comandar o time até a chegada, mais tarde, do novo técnico, Sílvio Pirilo. Naquele Clássico das Emoções do dia da briga pelos cajus, Palmeira, conhecido por ser muito temperamental, já não esteve à frente da equipe dos Aflitos, e sim, Ivanildo.  O Náutico terminaria campeão, sob o comando de três treinadores:  Palmeira (9 dos 21 jogos), Ivanildo  (10 ), e Sílvio Pirilo, o técnico que entrou na foto (2).

A GALINHA PINTADINHA

Voltando a Beberibe, além de ser proprietário dos cajus que brotavam em vários cajueiros, pois o terreno em que se situava a concentração alvirrubra era amplo, Palmeira também criava galinhas, não para alimentar os jogadores, mas para vender.
Naquela época em que o jogador de futebol era verdadeiramente o que se trata por boleiro, e havia treinamento só uma vez por dia, existia no Náutico uma turma da pesada. Como Palmeira era muito impulsivo, sempre estavam arrumando um jeito de levá-lo à explosão.
Contou-me o médico Genário Sales, o ex-lateral Genário, um dos jogadores da época, que certa vez, os três jogadores que formavam o trio final, o goleiro Manuelzinho e os zagueiros Caiçara e Lula, resolveram fazer uma presepada com Palmeira. Engabelaram o homem que cuidava das galinhas, dizendo que estavam autorizados pelo dono a levar uma penosa. Pagariam depois, como realmente aconteceu. Mas antes de o treinador ser reembolsado, o mundo quase desabou sobre os Aflitos. Sabedor do caso, e mais ainda de que a galinha fora degustada numa farra, Palmeira amarrou a cara e nem bom dia deu aos três. Chegou a hora do coletivo. O técnico era quem distribuía as camisas. Foi entregando uma a uma, deixando os três da galinha a ver navios. Em determinado momento chamou seu auxiliar e ordenou: 
– Entrega a camisa ao trio final, que eu não dou camisa a ladrão de galinha não!

O Estádio Eládio de Barros Carvalho quase veio abaixo, agora por causa das gargalhadas dos outros atletas, que já sabiam da história da penosa, e conhecedores do temperamento do chefe, esperavam o estouro da boiada. Não demorou para que a paz fosse feita e tudo voltasse ao que era dantes. Depois que os jogadores indenizaram o treinador, é claro.

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