Numa noite de segunda-feira, a diretoria
do Náutico realizava reunião de rotina na sede do clube, no bairro dos Aflitos,
a cerca de dois quilômetros do Arruda, onde se localiza o Santa Cruz. Para
surpresa de associados alvirrubros que bebericavam no bar, irrompeu no salão
térreo do palacete da Avenida Conselheiro Rosa e Silva, charuto fumegante, o
mecenas tricolor James Thorp, que se fazia acompanhar do presidente do clube,
Aristófanes de Andrade.
Com uma pasta preta estufando, o
diretor de futebol coral levava dinheiro vivo suficiente para arrebatar um dos
ídolos do Timbu, o lateral direito Gena. Conhecido na intimidade por Índio, em
face da aparência física, principalmente pelos cabelos pretos e lisos, Genival
da Costa de Barros Lima, 1,69 metro, nascido no central bairro de Santo Amaro, na
capital pernambucana, havia surgido nas divisões de base do Náutico. Depois de
brilhar no juvenil, participara dos últimos cinco anos do badalado
hexacampeonato (1963 a 68).
“Naquele dia, depois do treino, à
tarde, me avisaram que permanecesse no Náutico porque uma pessoa do Santa Cruz
estava vindo acertar a compra de meu passe. James ficou conversando com a
diretoria do Náutico até uma e meia da madrugada, tendo acertado tudo,
inclusive minhas luvas e o salário, que era muito superior ao que eu ganhava
nos Aflitos. O presidente do Náutico, Luciano Azevedo, alegou estar precisando
de dinheiro para pagar débitos do clube, por isso estava me
vendendo. Só sei que a torcida ficou com raiva dele por causa
daquela transação e muitos torcedores deixaram de comparecer aos jogos do
Náutico, em protesto”, recorda Gena, que em 1970 chegou a figurar na relação
dos 40 jogadores da qual saíram os 22 que representaram o Brasil no Mundial do
México. Perdeu a vez para Carlos Alberto Torres, do Botafogo, e Zé Maria, do
Corinthians.
Ao deixar o Náutico para defender o
Santa, Gena seguia os passos de outra figura enigmática do Náutico, o
artilheiro Bita. No Clube das Multidões a adaptação foi fácil, posto que
conhecia todo mundo. Teve participação direta na conquista de três títulos da
série do maior laurel da história do Tricolor, o pentacampeonato (1969 a 1973).
O lateral-direito esteve firme em 1970 -71-73.
Em 1970, o Santa Cruz levantou a taça
com: Detinho, Gena, Rivaldo, Antonino e Vilanova; Givanildo e Luciano; Cuíca,
Fernando Santana (Sousa), Ramon (Erb) e Derivaldo. Nesse time eram
pernambucanos, Gena, Rivaldo, Givanildo, Luciano, Cuíca, Fernando Santana,
Ramon e Derivaldo. Os demais, embora nascidos em outros Estados, eram
nordestinos. Em 1971, a equipe permanecia praticamente a mesma. Na
defesa, o lateral-esquerdo cearense Vilanova dera o lugar ao pernambucano
Cabral, vindo do Ferroviário do Recife; o volante Valter, carioca, substituiu
Givanildo, que permaneceu no time, agora atuando na ponta esquerda. Em 1973, o
ano do Penta, a equipe coral estava modificada, todavia, mantinha a base:
Gilberto, Gena, Antonino, Paulo Ricardo e Botinha; Erb, Luciano e Givanildo;
Walmir (Zito), Ramon e Fernando Santana (Zé Maria).
Gena não faz parte da lista dos
campeões pernambucanos de 1972 porque estava com um joelho machucado e não pôde
ser acionado. Passado o campeonato, já recuperado fisicamente, foi emprestado
ao Náutico para a disputa da Taça Eraldo Gueiros, que apontou o time alvirrubro
como o segundo representante de Pernambuco no Campeonato Brasileiro. O Santa
Cruz, como campeão do Estado, estava garantido, mas surgira uma nova vaga, que
precisava ser preenchida dentro de campo. O lateral também disputou o certame
nacional pelo Timbu.
Detentor do Belfort Duarte, um prêmio
criado pelo antigo Conselho Nacional de Desportos (CND), que ainda vigora,
agora sob a tutela da CBF, e destina-se ao jogador que, encerrada a carreira
tenha passado um mínimo de 200 jogos seguidos, ou 10 anos ininterruptos, sem
ser expulso de campo, Gena, por lei, tem entrada gratuita em qualquer estádio
brasileiro, e disso se orgulha. “Sempre procurei desarmar os adversários, na
bola, evitando as jogadas mais ríspidas”, comenta. Técnica para isso tinha de
sobra.
Quando ainda defendia o Náutico, e o
goleiro Lula, seu ex-companheiro nos Aflitos, já estava no Corinthians, Gena
chegou a viajar a São Paulo para negociar seu ingresso naquele clube paulista.
Apresentou-se no Parque São Jorge num dia e voltou para o Recife no outro, por
uma questão de zelo profissional.
“Resolveram fazer um teste comigo, mas
eu não aceitei porque eles já conheciam meu futebol e não havia mais
necessidade de mostrar que sabia jogar futebol”, finaliza.
(O texto acima é um capítulo do
livro Santa Cruz de Corpo e Alma e foi escrito pelo jornalista
Lenivaldo Aragão, titular deste blog. O ex-lateral do Náutico e do Santa morreu
nesta segunda-feira (12), por volta das 20h30, no Memorial São José, no Recife,
onde estava há 15 dias na UTI por causa de uma inflamação no abdome. Nesta
segunda, ele sofreu duas paradas cardíacas, uma delas, fatal)
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