HISTÓRIAS DO MUNDO DA BOLA-Lenivaldo Aragão

 Goleada timbu no Timão do Doutor, e Sivaldo Trabuco botando pra quebrar, atrás do bichão


Foto: Náutico x Corinthians-Almanaque do Timão



Em 1984, pelo Campeonato Brasileiro, o Náutico enfrentava o Corinthians, no Arruda. O Estádio dos Aflitos estava em obras, e o Alvirrubro levava seus jogos para o Mundão. O Timão, assim chamado por ter como símbolo um timão, aquele instrumento que controla a direção do navio, era uma potência.  
O técnico do Alvirrubro era Ênio Andrade, que já havia jogado no Timbu e treinado times daqui, tendo sido o Náutico, o clube onde iniciou a carreira. Isso em 1961, quando, com a dispensa de Gentil Cardoso em pleno Campeonato Pernambucano, o gaúcho, que jogava como meia-armador, assumiu o comando da equipe, sem que deixasse de jogar. Tinha assim a dupla missão de jogador e treinador.
Saído do juvenil, o lateral-esquerdo e ponta-esquerda Sivaldo estava tendo suas primeiras chances no profissional. Derrotar o Corinthians naquele domingo, seria muito importante para Náutico. Os dirigentes prometeram um bicho de 600 mil cruzeiros – ainda nem se sonhava com o real – a cada jogador por uma vitória sobre a equipe paulista. Para se ter uma ideia, Sivaldo tinha assinado seu primeiro contrato, ganhando 60 mil cruzeiros por mês, quantia correspondente a 10 por cento do prêmio estabelecido pela cartolagem para aquela partida.
Ênio Andrade tratava Sivaldo como Trabuco, por causa da valentia com que ele partia para cima dos adversários. O valente juvenil foi relacionado para o grupo de 17 jogadores que se concentraria. Com o coração pulsando intensamente, ao ver seu nome na lista, logo começou a fazer planos. “Mesmo que eu sobre da relação dos cinco que vão ficar no banco (na época, este era o limite), ganho 25% do prêmio, o que já é o dobro do meu salário.”
No vestiário, momentos antes da partida, Ênio escala o time que vai entrar de frente, e os cinco reservas. Sivaldo pulou de alegria ao saber que ficaria no banco. Isso já lhe garantia metade da gratificação - 300 mil. Mais grana no bolso do garoto.
O Náutico, com Mazaropi; Vilson, Newmar, Edson Gaúcho e Albéris; Alex, Ademir Lobo e Baiano; Heider, Mirandinha e Gerson estava endiabrado. O Corinthians, dirigido por Jorge Vieira e contando com Solito; Édson Boaro (Ronaldo), Mauro, Juninho, Wladimir, Biro-Biro, Sócrates, Zenon, Ataliba (Wágner), Casagrande e Eduardo Amorim não via a cor da bola. Os gols foram saindo para o lado dos alvirrubros, provocando a explosão da torcida e alegrando Sivaldo. Terminado o primeiro tempo, o Alvirrubro vencia por 3 x 0. Ênio Andrade mexeu no time e colocou em ação Sivaldo no lugar de Mirandinha e Paulinho, também saído da base, substituindo Ademir Lobo.
Quando o treinador chamou Sivaldo e deu a ordem para colar no Magrão, no caso o fantástico Sócrates, o tal do Trabuco endoidou.
Enquanto à beira do gramado, aguardava o momento de entrar em campo, já fazia planos sobre os 600 mil que estavam por vir. Pouco tempo depois de sua entrada, o Náutico fez o quarto gol.
Ao ser dada a nova saída, o homem de confiança de Ênio Andrade correu logo para o setor onde iria atuar, No primeiro encontro com Doutor Sócrates – além de jogador era médico – o jovem alvirrubro levou uma saia, ou seja, bola por baixo das pernas, de calcanhar, especialidade de Sócrates.
Quando eu morava em pensão, aqui no Recife, tinha um colega chamado Juarez, plantador de cana no Engenho Paraná, em Aliança, mais tarde engenheiro agrônomo, que costumava ameaçar quem pisava nos seus calcanhares: “Deixa estar, jacaré, que a lagoa há de secar”.
Foi o que deve ter imaginado Sivaldo, depois daquela vergonha que havia passado perante a timbuzada. Na segunda jogada diante do Doutor, com a força e a disposição que lhe eram peculiares, deu um carrinho voador no corintiano. A violência foi tamanha que ele próprio ficou com as pernas arranhadas pelas chuteiras de Sócrates, que bronqueou: “O que é isso garoto?.” Sivaldo respondeu de bate-pronto: “É seiscentos”.
O cracão corintiano certamente não entendeu, achando que tinha um jogador desparafusado acompanhando seus passos naquele 1º de abril-trata-se do tradicional Dia da Mentira, mas tudo aqui é verdade. Ainda houve uma expulsão, mas da parte do Corinthians: Mauro.
Fim de jogo, Náutico 5 x 1 Corinthians (Mirandinha, 2; Paulinho, Heider e Newmar-Nau; Casagrande-Cor).
Quando o árbitro carioca Valquir Pimentel encerrou a partida, o mais festeiro de todos era Sivaldo, que irradiava felicidade diante dos 25.643 torcedores, com renda de 24 milhões,720 mil e 300 cruzeiros, fazendo as contas sobre o que fazer com aquela grana inesperada.

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