Goleiro Barbosa, o da Copa de 1950, e sua passagem pelo Santa Cruz
LENIVALDO ARAGÃO
Em 1955, os três grandes clubes de Pernambuco
contrataram renomados jogadores para a disputa do Campeonato Pernambucano. Isso,
aliás, era uma norma. Geralmente vinham craques, com exceção para um ou outro
perna-de-pau. Naquele ano, o Sport comemorava o cinquentenário de sua fundação
e queria festejar pomposamente a grande data. O presidente Adelmar da Costa
Carvalho municiou o técnico Gentil Cardoso com nomes que ficaram na história,
como Osvaldo Baliza, Ely, Osvaldinho, Traçaia, Naninho, Gringo e Soca. Os
adversários estavam interessados em estragar a festa do Leão, o que não
aconteceria, e também tinham suas estrelas de primeira grandeza.
O Náutico,
campeão de 1950/51/52 e 54, apresentava um conjunto bem ajustado, fortalecido pela
sólida zaga Caiçara e Lula, tendo mais Gilberto, Nenzinho, o goleador Hamilton,
egresso da Bahia, que defendeu também o América e o Santa. Não se pode esquecer
o eclético capitão do time, Ivanildo, uma espécie de técnico dentro de campo.
O Santa Cruz trouxe
o goleiro Barbosa, que completava o chamado trio
final com Palito e Lucas, e tinha craques do nível de Aldemar, o Príncipe; o
raçudo Ananias, o Galã das Gerais; o garoto Zequinha, saído do juvenil
tricolor; Wassil, Luiz Marine, o genial Amaury, Jorge de Castro e Zeca.
Quanto a Barbosa, vindo do Vasco da
Gama, era tido como um dos melhores, ou talvez o melhor do País, na posição. Era
o mesmo da Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil foi vítima da raça de Obdulio
Varela e seus companheiros da Seleção Uruguaia. Porém, cinco anos depois,
parecia refeito daquele golpe.
POVÃO
EM TRANSE
A chegada de Barbosa ao Recife foi uma
verdadeira apoteose. Nos bares, nas esquinas, nas calçadas de ruas dos bairros,
principalmente os da região do Arruda e Água Fria, não se falava noutra coisa. Bastou
um treino no antigo Alçapão do Arruda, com os torcedores dando uma contribuição
espontânea, para o clube arrecadar os 200 mil cruzeiros empregados para
trazê-lo. Tratava-se de uma tarde de dia útil. No apertado portão de entrada
havia uma urna destinada a receber a colaboração do povão. Cada um dava o que podia.
– Nunca vi em toda a minha vida, tanta
gente num treino – confessou, encantado, o paulista de Campinas, Moacyr Barbosa.
O
Santa Cruz não se sagrou campeão – o Sport levantou a taça –, mas Barbosa continuou sendo venerado pela
massa, ao mesmo tempo em que era respeitado pelos adversários. A diretoria do
Santa tinha que se desdobrar para atender aos convites para amistosos no
Interior e noutros Estados. Todo queriam ver Barbosa, a quem só conheciam de
ouvir falar e de fotos em jornais e revistas, posto que a televisão ainda
engatinhando no Rio e São Paulo, estava longe do Nordeste.
O grande feito do Santa Cruz naquele tempo foi levantar o Torneio Pernambuco-Bahia, para os baianos, o Bahia-Pernambuco, oficialmente denominado Torneio Rubem Moreira. Participaram América, Náutico, Santa Cruz e Sport por Pernambuco, Bahia, Botafogo, Galícia e Vitória representando a Bahia. No dia 4 de março de 1956, o Santa, sob o comando provisório do treinador da base, o tricolor histórico Waldomiro Silva, sagrou-se campeão na última rodada, com um triunfo sobre o Vitória por 4 x 0, na Ilha do Retiro, gols de Otávio (2), Jorge de Castro e Zeca. A formação do campeão foi Barbosa; Palito e Lucas (Arlindo); Zequinha, Job e Edinho; Jorge de Castro, Wassil, Otávio, Amaury e Zeca.
Um dos destaques da competição,
Barbosa foi escolhido como o goleiro da seleção do Pernambuco-Bahia.
Campeões do Pernambuco-Bahia: Barbosa, Job, Lucas, Palito, Otávio, Edinho, Zequinha, Zeca, Amaury, Wassil e Jorge de Castro (Foto: Reprodução Arquivo Coral) |
Um mês e poucos dias depois, em 18 de abril, em
pleno Domingo de Páscoa, a Seleção Brasileira, de passagem pelo Recife para uma
excursão à Europa, enfrentou a Seleção Pernambucana, amistosamente, na Ilha do
Retiro. Barbosa revezou com Leça, do América, guarnecendo a barra da equipe de
casa, que saiu de campo derrotada (2 x 0), mas conformada. Os gols foram
marcados por Didi e Escurinho, um em cada etapa.
Os pernambucanos, comandados pelo
técnico do América, José Mariano Carneiro Pessoa, o famoso Palmeira, alinharam,
de acordo com a formação tática da época: Barbosa-Santa Cruz (Leça-América);
Caiçara-Náutico e Lula-Nau; Zequinha-San (Claudionor-Ame), Aldemar-San e Mourão-Ame;
Jorge de Castro-San (Zezinho-Ame), Wassil-San (Dimas-Ame), Otávio-San,
Amaury-San (Rubinho-San) e Dario-Ame (Zeca-San).
O Sport não cedeu jogadores para a
Seleção Pernambucana porque realizava mais uma excursão ao Centro-Sul, tendo
naquele dia se exibido em Sabará (MG), perdendo para o Siderúrgica por 4 x 2.
A equipe nacional, que se preparava para
as Eliminatórias da Copa de 1958, na Suécia, tinha como técnico Flávio Costa, o
mesmo do Mundial de 1950. O time canarinho mandou ao gramado da Ilha esta
formação: Gilmar-Corinthians; Djalma Santos-Portuguesa de Desportos (Paulinho-Vasco)
e De Sordi-São Paulo; Zózimo-Bangu, Roberto Belangero-Corin (Formiga-Santos) e
Nilton Santos (Botafogo); Sabará-Vas, Valter Marciano-Vas (Álvaro-San), Gino-SP,
Didi-Bot e Canhoteiro-SP (Escurinho-Fluminense).
Dirigiu o amistoso Horts Harden, alemão
pertencente ao quadro de árbitros da Federação Pernambucana de Futebol.
“O
América arrancou a máscara do Santa Cruz”, “Barbosa levou seu clube à
derrocada”, “Placar de bola de meia no clássico”, “Barbosa em tarde negra”.
As manchetes de alguns jornais
recifenses que circulavam às segundas feiras, como o Diário da Noite e a
Folha da Manhã, não podiam ser diferentes no dia 4 de junho de 1956. Na
véspera, o Santa Cruz tinha sido goleado pelo América, na época, considerado ainda
um dos quatro grandes, embora já titubeante, por 6 x 3.
Naquele domingo fatídico, o até então
ídolo tricolor via, de repente, seu prestígio se esfarrapar numa lamentável
atuação em que andou levando gols inadmissíveis para um goleiro tarimbado como
ele. Dias antes manifestara sua vontade de voltar para o Rio. Foi o suficiente
para muitos torcedores acharem que estava agindo deliberadamente para forçar a
saída.
Nas antigas gerais da Ilha do Retiro, a massa tricolor não escondia sua
revolta. O Santa, de Barbosa; Palito e Guto; Zequinha, Aldemar e Edinho; Jorge
de Castro, Wassil, Isauldo, Rubinho e Otávio, entrara em campo como franco
favorito para enfrentar o América de Leça; Geroldo e Cido; Claudionor, Rosael e
Claudinho; Zezinho, Dimas, Macaquinho, Celly e Gilberto.
Com a bola rolando, os prognósticos
foram se dissipando. Aos 15 minutos, Dimas faz 1 x 0, depois de bater Aldemar.
O Santa Cruz consegue empatar aos 19, com Rubinho. O povão passa a esperar a
virada, mas quem volta a marcar é o América, com o argentino Celly, aos 40. No
segundo tempo, aos 7, chute de Dimas, fraco, Barbosa defende parcialmente, mas
a bola termina calmamente tomando o caminho da rede: América 3 x 1. Aos 32,
Otávio marca para o Tricolor, reanimando a torcida. Três minutos depois, o
desânimo volta a pairar sobre o povão. Gol de Macaquinho, o quarto do
Alviverde. No minuto seguinte, o ponta-direita Zezinho faz um lançamento para a
área. A bola toma o caminho do gol, e Barbosa fica parado, vendo-a cair
mansamente dentro da rede. América 5 x 2, numa extrema humilhação para o Santa
Cruz, que investira pesado. Isauldo ainda desconta para os corais, mas Zezinho,
mais tarde, quando defendia o Náutico, apelidado de Zezinho Caixão, volta a
marcar e liquida a fatura.
Macaquinho, um dos algozes de Barbosa (Arquivo do Blog) |
TORCIDA
FURIOSA
Terminado o jogo, o vestiário do Santa,
localizado na parte do Estádio da Ilha do Retiro que dá para a sede
rubro-negra, foi cercado por torcedores enfurecidos, que queriam a todo custo
linchar Barbosa. Este, inconsolável, acuado a um canto, lamentava-se entre os
companheiros e temia o pior. Só conseguiu sair, depois que a Rádio Patrulha
encostou. Em dado momento, a porta do camarim foi aberta. Torcedores, armados
de pedra ameaçavam agredir o goleiro, em meio a uma verdadeira torrente de
impropérios. De súbito, ouviu-se a advertência ameaçadora: “Vou sair com o
homem. Pra bater nele, têm que bater primeiro em mim”.
Rapidamente, o presidente Boanerges
Costa, do Santa Cruz, conduziu o infortunado goleiro para seu carro,
estacionado a alguns metros, e levou-o para lugar seguro.
Estava assim encerrada, de maneira
trágica, a passagem do grande goleiro pelo Arruda. As circunstâncias e a
repercussão eram outras, mas Barbosa não deixava de fazer alguma ligação com o
episódio de 16 de julho de 1950, no Maracanã, vivido por ele e uma gama de
craques, entre os quais o pernambucano Ademir, que, por um vacilo deixaram de
entrar para a história como ‘heróis’ nacionais.
Dias depois, Barbosa tinha seu contrato
rescindido e regressava ao Rio, sem aplauso e sem glória.
Apesar desse momento de infortúnio conseguiu
dar sua última volta por cima, brilhando novamente pelo Vasco da Gama, como
qual tinha levantado inúmeros troféus anteriormente. No retorno a São Januário
ainda conquistou estes três títulos em 1958: Torneio-Início, Campeonato Carioca
e Torneio Rio-São Paulo.
Foto:
Arquivo do Blog de Lenivaldo Aragão
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