José Santa Cruz (Reprodução-Terra) |
Ficaram as boas lembranças de José
Santa Cruz e Cleo Nicéias
LENIVALDO ARAGÃO
De um dia para o outro, a
indesejada das gentes levou duas figuras com quem convivi, José Santa Cruz e
Cleo Nicéas. Isso, depois de Vicente Lemos, ao lado de quem trabalhei
diretamente e morei, em pensão e em república.
Zé Santa Cruz há décadas atuava
no Rio de Janeiro. Após passagens pelo rádio e pela televisão, em João Pessoa,
no Recife e na Cidade Maravilhosa, continuava a espalhar sua voz tão marcante e
cativante pelo Brasil, como dublador de filmes estrangeiros para a TV. Partiu para
a última morada, como se costuma dizer, aos 95 anos de idade.
Nos meus primeiros tempos como
cronista esportivo, fui seu contemporâneo na Rádio Clube de Pernambuco. Santa
Cruz foi um dos paraibanos importados pelo rádio pernambucano nos anos 50, a
exemplo da cantora Meves Gama, que viria a ser esposa do humorista – autor e
ator – Luiz Queiroga. Mesmo recifense, Queiroga procede de família paraibana. Mais:
Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Walter Lins, os locutores esportivos
Antônio Menezes e Vicente Lemos. Ambos já nos deixaram para sempre, sendo que Vicente morreu há poucos dias. Até o
controlista Custódio Santana veio para cá.
Locutor de cabine, apresentador
de jornais falados, humorista e participante de programas de auditório, Zé
Santa Cruz se consagrou nas ondas do rádio, fazendo tipos que levavam os
ouvintes às gargalhadas. Às vezes, quando terminava de redigir a resenha
esportiva, eu corria para o Auditório B da velha PRA-8 para acompanhar a
apresentação, ao vivo, do programa Atrações do Meio-Dia, com uma equipe que tinha,
além de Santa Cruz e Queiroga, Mercedes del Prado, Djalma Torres – tio do
campeão do mundo Carlos Alberto Torres, Aguinaldo Batista, Cesar Brasil, Dalma
Filho (Seu Bifuso) e outros. Tudo na base do humor. Na sequência “Um Recruta em Apuros”, Santa
Cruz fazia o papel de um oficial que estava sempre botando um recruta –
Queiroga –, numa fria, dando-lhe as coordenadas de maneira errada. Na “Escolinha”,
o incontrolável Bombinha levava a professora – Mercedes – a subir pelas
paredes, tantas eram as situações fora do contexto, que criava, azucrinando a
vida da “mestra” e puxando os outros alunos para a bagunça. No “Anjinho Cara
Suja”, fingindo ser bonzinho, atraía o personagem Azarildo – leia-se Aguinaldo
Batista – para situações as mais perigosas possíveis. Na “Pensão Paraíso” o
clima era o mesmo. Estas eram apenas algumas facetas de Zé Santa Cruz, um dos
primeiros apresentadores, juntamente com Albuquerque Pereira e Luiz Maranhão
Filho, do “Salve a Retreta”, um concurso de bandas de música do Interior, com a
exibição ao vivo, a cada domingo, de uma filarmônica interiorana, entre as
quais se encontrava a minha querida Sociedade Musical Novo Século, de Santa
Cruz do Capibaribe. Inicialmente, as bandas vinham ao Recife, mas com o tempo a
transmissão era feita diretamente das cidades. Imaginem o rebuliço causado pela
equipe da rádio, numa época em que a televisão por aqui era apenas um sonho. As
três primeiras colocadas recebiam um fardamento completo do patrocinador, a
Tecidos Argos Industrial. Era uma alegria e tanto, pois ainda hoje as pobres
bandas vivem no limite.
NOITE INESQUECÍVEL NO PACAEMBU
– Quanto a Cleo, eu o conheci
em São Paulo, na noite de 16 de novembro de 1966, quando o Náutico derrotou o
Santos por 5 x 3. Cobri o jogo para o Diario de Pernambuco, no qual trabalhei
de 1957 a 1976. Encontrava-me isolado numa cabine do Pacaembu, ao lado do recinto
em que estavam Ivan Lima e José Santana, já que auxiliava na transmissão da
Rádio Clube. De repente, um jovem, cuja feição me pareceu meio conhecida,
perguntou se podia ocupar uma das cadeiras desocupadas. Consenti, é claro, e
percebi pelo sotaque, que se tratava de um pernambucano, ou nordestino de outro
Estado, entre milhares de torcedores espalhados pelo estádio. Travamos um
início de conversa e ele se apresentou: “Sou
filho de Amarílio Niceas (radialista e publicitário, irmão de Abérides,
Ândrocle, o popular Doca, e Abner, todos gente de rádio. Amarílio havia se
mudado para São Paulo a fim de trabalhar na Rádio Bandeirantes), jogava no
juvenil do Sport, mas tive que acompanhar a família”. A ficha caiu. Era
realmente a figura que eu achava conhecer. Segundo o companheiro Walter
Spencer, na Pauliceia Desvairada, Cleo chegou a atuar pelo São Paulo,
logicamente, nas equipes básicas.
Cleo Nicéias (Reprodução Asserpe) |
Como a imensa curriola de nordestinos – quem não era, virou pernambucano naquela noite, pelo menos afetivamente – Cleo vibrou imensamente com a inesquecível página escrita pelo Timbu diante do então melhor time do mundo. Jogo terminado, continuei cumprindo meu dever. Abraçamo-nos felizes da vida.
Depois de muitos anos
reencontrei-o no Recife, já diretor da Globo. A parte administrativa global
funcionava no Ed. San Rafael, quase no fim da Av. Dantas Barreto, para onde se
mudou a sucursal da Editora Abril após anos funcionando na Siqueira Campos. Como
eu trabalhava na Placar, uma das incontáveis revistas, na época, da editora
paulista, víamos de vez em quando no elevador ou no hall do edifício. As
conversas sobre futebol eram inevitáveis. Às vezes, eu que nunca dirigi, era
contemplado com seu bigu. Torcedor do Santa Cruz, Cleo elogiava as façanhas do
Tricolor no Campeonato Brasileiro. Tratava-me pelo sobrenome Aragão e sempre elogiava
Paulo (Moraes), meu irmão, torcedor do Mais Querido, como ele, e que durante
mais de 30 anos chefiou o setor esportivo da Globo Nordeste.
Em eventos, como a tradicional
festa dos melhores realizada anualmente pela emissora, normalmente batíamos um papo, mesmo rápido, bem como em encontros
fortuitos em estádios ou em alguma solenidade promovida pelo Santa.
Humilde, sem um mínimo de empáfia, fez-me rir certa vez que numa tarde de sábado encontrei-o em Boa Viagem, sentado na escadaria de um banco, já não me lembro qual, de bermuda, com filhos ou netos, saboreando um picolé, como qualquer mortal. Brinquei: “Ninguém desse pessoal que passa aqui na Domingos Ferreira, de carro ou de ônibus, pode acreditar que nessa calçada está uma das pessoas mais importantes de Pernambuco.” Cleo soltou uma gargalhada e replicou: “Calma, Aragão, não espalha”. Fica bem claro que não havia nenhum guarda-costas, longe ou perto, acompanhando seus movimentos.
Este era Cleo Niceas, o rapaz meio
desconhecido que se apresentou a mim naquela noite inesquecível do Pacaembu, fazendo
minha ficha cair ao mencionar sua condição de jogador.
Obs.: Segundo o jornalista Amaury Veloso, Cleo Nicéias também atyou pelo América, na base, fazendo a zaga com Clélio Falcão, mais tarde dirigente do Sport.
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