Na falta de um bode preto, o Santinha de Duque perdeu o clássico
Era na época do pentacampeonato do Santa Cruz (1969 a 1973). Véspera de um jogo importante. O técnico Duque como era praxe, consultou uma mãe-de-santo conhecida, que lhe pediu um bode cem por cento preto, sem qualquer sinal branco, para ser oferecido aos orixás. Pragmático e obediente, o treinador despachou seus assessores de confiança para irem em busca do caprino capaz de atender às exigências extraterrenas. Uma tarefa não tão fácil. No Agreste ou no Sertão, num abrir e fechar de olhos, a oferenda estaria no terreiro. Mas no Recife...
Lá se foi, num sábado à noite, o
massagista João de Maria, dirigindo o carro do volante Norberto. Com ele, o
roupeiro Luís, e Mallada, um médico uruguaio, que havia caído de paraquedas no
Arruda. Era pau-pra-toda-obra. Ultrapassaram as fronteiras municipais e foram
até Jaboatão dos Guararapes. Em vão. Nenhum bode dando sopa na escuridão. Havia
pressa. João de Maria atolou o pé, na volta. De repente, foi parado por um
soldado do Exército, de fuzil à mão. Foi aí que descobriu que passava muito
acima da velocidade permitida, diante do quartel do 14º RI, na Vila Militar
Floriano Peixoto, em Socorro. Logo apareceu o oficial-de-dia, ameaçando
prendê-los. Todos com muito medo. Finalmente, eram tempos brumosos, época dos
atos institucionais, com os “subversivos” sendo farejados por todos os
quadrantes. No caso do trio, o perigo aumentava por causa da presença de
Mallada. Magro, olhar meio desconfiado, sua aparência tinha tudo a ver com o
apelido de Tupamaro que lhe haviam dado no Arruda. Ainda mais falando
atrapalhado.
(Tupamaros eram os integrantes do
“Exército de Libertação Nacional”, que, através da guerrilha urbana, combatia o
governo militar no Uruguai. Na realidade, Mallada era um deles. Fugido de sua
terra, apareceu no Arruda lavando os carros dos jogadores. Depois
identificou-se como massagista e começou a ajudar João de Maria. Até que um dia
se declarou médico e revelou sua legítima identidade. E por lá foi ficando.)
Com muita lábia foram liberados. Ao
deixar a área militar, João de Maria, no passado, jogador do Santa, disparou
novamente, agora rumo a Paulista, no lado oposto da Região Metropolitana do
Recife, depois de atravessar o Recife e Olinda. Na Praia da Conceição,
vibração. Era como se o Santa tivesse feito um gol no Sport, seu adversário do
dia seguinte. Um bode preto apareceu junto da pista, certamente enviado pelos
deuses. Todavia, logo veio a decepção. Não servia porque a perna direita tinha
uma pequena mancha branca. João de Maria chegou a propor que se pintasse aquela
parte com tic-tac, a tinta que os
engraxates usam. Negativo. Se por qualquer motivo a tinta desaparecesse, os
três ficariam sujos com o homem. Conformados com o fracasso, já em plena
madrugada, resolveram regressar. Duque não iria gostar, sabiam, pois se
sentiria espiritualmente descoberto. Mas, fazer o quê?
Só que a aventura não parou aí. Ao
ser abordado pela Polícia Rodoviária Estadual, no Janga, João de Maria
descobriu que a documentação do veículo estava irregular. Desculpou-se e identificou-se como massagista do Santinha
em missão oficial. Caiu nas graças de um guarda, tricolor de corpo e alma, que
aproveitou para lhe pedir um favor. “Sou sócio, mas estou com a mensalidade
atrasada. Vocês podiam dar um jeito nisso aí?” Positivo. João pegou a
carteirinha do guarda e botou no bolso, prometendo zerar a dívida. O que jamais aconteceu. Nem também a carteira foi
devolvida. Cioso de sua responsabilidade, o trio ainda passou, inutilmente,
pelo matadouro de Peixinhos, hoje desativado.
Na hora do jogo, os três torceram
ardorosamente para o Santa vencer o Sport. Só assim tirariam um peso da
consciência e poderiam encarar Duque numa boa. Mas deu o contrário. E o técnico
sem o bode protetor ficou de cara amarrada com eles um bom tempo. Vai ver que
com o tic-tac no bode teria havido pelo menos um empate, pensou o supersticioso
João de Maria.
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