O juiz batedor de falta
Em Santa Cruz do Capibaribe, muitos
anos atrás, o estabanado Rodolfo Francelino Aragão, vereador, caminhoneiro e juiz
de futebol nas áreas vagas, apitava um jogo do Ypiranga, que ainda nem sonhava
em participar do Campeonato Pernambucano. O adversário era um dos muitos times
amadores existentes em Caruaru, ali pelos anos 50. Protegido por cercas da
planta chamada aveloz, o Estádio Otávio Limeira Alves ainda estava fora da área
urbana. A hoje agitada Berço da Sulanca era uma pacata vila, oficialmente
chamada de Capibaribe, mas que todo o mudo só tratava por Santa Cruz, seu nome
original. Pertencia a Taquaritinga do Norte.
Quanto ao árbitro, tratava-se
de um bonachão, às vezes estouvado, dependendo da ocasião. Certa vez para descarregar
o caminhão numa rua apertada de um bairro do Rio de Janeiro,
terminou atrapalhando o trânsito. Um homem, conduzindo um carrão, achou de lhe
passar uma reprimenda. Formou-se uma discussão e, em dado momento, o do veículo
de passeio se apresentou como vereador da Cidade Maravilhosa, certamente para
mostrar superioridade. A resposta veio em cima da bucha, com uma certa carga de
ironia:
– Grande coisa!. Vereador por
vereador eu também sou.
Fez questão de passar-lhe nas
fuças a carteirinha funcional:
– E sou mais presidente da
Câmara.
Depois do impacto causado pela
surpresa, o irritado cidadão caiu numa sonora risada. E os dois terminaram
fumando o cachimbo da paz..
Bola em jogo, o goleiro Zé
Fuminho, já veterano, Lulu, Mário, Joãozinho, Dida, Afonso, Arnon, Totonho e
outros encantavam a torcida.
A certa altura foi assinalada uma
falta. O juiz apitou, autorizando a cobrança. Mas ninguém se mexeu. Rodolfo simplesmente
não havia indicado a direção da cobrança, como qualquer árbitro faz. Depois de
uma ligeira espera, trilou o apito novamente. Tudo na mesma, uma vez que os
jogadores continuaram sem saber qual a equipe beneficiada com a infração.
Nova espera. Aí o apitador,
chegado a alguns rompantes, agiu por conta própria, passando por cima da regra
da Fifa.
– Ah.. ninguém quer bater não,
eu mesmo bato.
E deu aquele chutão, deixando
jogadores e espectadores com cara de espanto. O chute do juiz foi acompanhado
de um aviso:
– Tá em jogo!
E o amistoso, com ares de pelada,
foi em frente.
o, saído de uma madorna, levou o rosto, vestiu uma roupa condigna e
saiu a passos largos para o Estádio Otávio Limeira Alves.
Bola rolando, em determinado
momento o juiz marcou uma falta. Mas não indicou para qual lado deveria ser
desferido o tiro direto, o que, aliás, não era usual na época. Os jogadores
ficaram uns olhando para os outros sem saber para qual lado chutar. O juiz esperou
um pouquinho, apitou novamente, isso sem indicar o lado do chute. Como ninguém se
mexeu, ele mesmo bateu a falta,
– Ninguém quer bater não, eu
mesmo bato.
Diante do espanto geral, o
juiz de direito executou o chamado tiro livre, soltando o grito de liberdade:
– Tá em jogo!
E a bola continuou rolando
para o bem de todos (não todos) e felicidade geral (?) da nação.
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