O cravo branco do Náutico gerou pânico na Ilha
Lenivaldo Aragão
Náutico em jogo nos Aflitos. Em pé, Zequinha, Waldemar, Zé Luiz, Evandro, Gilson Costa e Clóvis; agachados, Nado, Bita, China, Ivan e Rinaldo (Reprodução Internet) |
Houve uma época em que a concentração do Náutico ficava na Rua Santo Elias, em pleno coração do bairro do Espinheiro, um salto para os Aflitos. Os jogadores iam e vinham a pé. Alguns moravam ali mesmo.
Num
domingo de verão, o Náutico ia enfrentar o Sport na Ilha do Retiro. O pessoal
caminhava em direção aos Aflitos a fim de trocar de roupa e entrar no ônibus
que o levaria ao estádio rubro-negro, todos já uniformizados para o Clássico
dos Clássicos. Um grupo formado por Ivan, Rinaldo, Gilson Costa, China e
Paulinho seguia a passos lentos, jogando conversa fora. Na calçada de um dos
muitos casarões que compunham o cenário da época, justamente onde morava um
alvirrubro de destaque, o deputado Olímpio Mendonça, havia um belo jardim. Do
muro pendia um bonito cacho de cravos brancos que chamou a atenção da turma. Gilson
Costa lembrou-se de que o técnico Palmeira, do Sport, com quem já havia
trabalhado – tão supersticioso e chegado a um catimbó quanto seu
adversário Duque, do Náutico – tinha àquela flor. Quem o conhecia de
perto sabia como Palmeira era ligado nessas coisas. Havia um pai de santo para
os lados do Barro, chamado Zé da Bola, que ele consultava frequentemente. Jogo
correndo, quem sentasse perto dele, no início da partida, teria que ir até o
fim. Também ninguém podia chegar mais. Para não quebrar a corrente.
Naquele
início de tarde, diante do bizu passado por Gilson, o lateral Paulinho resolveu
colher um cravo, só para fazer uma gréia.
Ficou decidido que a flor seria atirada na barra do Sport, assim que fosse
tirado o toss. A
missão foi confiada ao ponta-esquerda Rinaldo, que pouco tempo depois jogaria pelo
Palmeiras, Seleção Brasileira e outros clubes.
O
sorteio indicou o lado do placar para os rubro-negros defenderem. Quando os
jogadores das duas equipes já tomavam posição, Rinaldo foi até lá e atirou o
cravo branco. Formou-se um banzé que não estava no gibi. Diferentemente de
hoje, os bancos dos dois técnicos ficavam atrás daquela barra, justamente na
boca do túnel. Apavorado com a cena, o crédulo Palmeira foi logo gritando:
–
Maior do que Deus, ninguém!
Ele
mesmo determinou que ninguém pegasse naquela flor maldita. Seus jogadores não
deveriam chegar nem perto. Palmeira não tinha a menor dúvida de que se tratava
de “coisa feita”. Não só o treinador do Leão, mas todos os que estavam no
estádio, pois era público e notório que o pai de santo Edu trabalhava para
Duque.
A
Ilha viveu alguns minutos de pânico e apreensão. Ninguém tinha coragem de se
aproximar da barra do cravo. Enquanto o medo rolava entre os rubro-negros, os
jogadores do Náutico divertiam-se com a situação. E nada do jogo começar.
Passou-se um tempão até que o massagista Zé Ramos, do Sport, que se dizia de
corpo fechado, desse uma de herói e tomasse a decisão de encarar o perigo. Dirigiu-se
à barra amaldiçoada e cuidadosamente apanhou o cravo branco, evitando tocar-lhe
diretamente, e atirou-o para fora do campo por cima do alambrado.
Efeito
da macumba de araque, ou não, o certo é que o Náutico venceu o clássico por 3 x
2, com o gol da vitória marcado pelo
centroavante China (já havia assinalado um), justamente na tal barra. Ninguém
tirou da cabeça de Palmeira que aquilo tinha sido arte de Zé Pilintra, o
‘santo’ de Pai Edu. Este, mais tarde, malandramente posou de autor do
‘serviço’, quando se tratou de uma mera gaiatice da rapaziada do Timbu.
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