EXALTAÇÃO AO CLUBE DAS MULTIDÕES
Tricolor apaixonado, Capiba homenageou o Santa (Foto: Reprodução)
Lenivaldo Aragão
Era o ano de 1948. Bicampeão
pernambucano em 1946/47, o Santa Cruz lutava pelo segundo tricampeonato de sua
história – o primeiro tinha sido no triênio 1931/32/33. Havia muitas
possibilidades de o Tricolor obter seu intento. Porém, em determinado momento, o
clube do Arruda entrou em rota de colisão com a Federação Pernambucana de
Futebol. Num encontro com o Náutico, o Santinha achou que tinha sido fortemente
prejudicado pela arbitragem. Tentou anular o jogo, mas não teve sucesso. Por
conta disso se afastou do campeonato.
A decisão extrema foi tomada pelo Conselho Deliberativo em
reunião extraordinária, tendo apenas um conselheiro discordado daquela posição
por ele considerada radical. Foi o compositor Lourenço da Fonseca Barbosa, o
consagrado Capiba, pernambucano de Surubim, funcionário do Banco do Brasil. Autor
de composições que faziam grande sucesso
perante o público, como a valsa “Maria Betânia”, e já
brilhando com a autoria de frevos-canção, além de incursões por vários outros
gêneros musicais, aquele apaixonado tricolor, concordava com os protestos, mas não
via razões plausíveis para seu clube de coração abandonar a competição.
ENCANTADO POR VITÓRIA
HISTÓRICA
Capiba morava em Campina
Grande para onde se transferiu com a família, ainda adolescente. Ao chegar ao
Recife anos depois, já torcia pelo Clube
das Multidões, embora só o conhecesse de nome. Era um dos inúmeros adeptos da Cobra
Coral existentes na importante cidade paraibana. A simpatia começou quando, já
morando na Rainha da Borborema, tomou conhecimento da histórica vitória da Cobra
Coral, em 30 de janeiro de 1919, sobre o Botafogo de Futebol e Regatas por
A partida inesquecível, com
riqueza de detalhes, mais de uma vez foi contada à meninada campinense por Hilton
Vieira, um ex-jogador coral, que morava na cidade mais importante da Paraíba, depois
de João Pessoa, a capital do Estado. Entusiasmado decidiu formar, juntamente
com Hilton, um time com o nome de Santa Cruz, logicamente nas mesmas cores do
Santa original. A equipe não durou muito tempo porque logo Capiba se mudou para
a capital a fim de estudar.
FORA DO CAMPEONATO
Ao vir para o Recife após ter
sido aprovado em 1930 num concurso para trabalhar no Banco do Brasil, Capiba
aproximou-se do clube de sua paixão, com o qual manteve uma estreita relação
até morrer, em 31 de dezembro de 1997.
Porém, o episódio de 1948 provocou sua renúncia ao cargo de
conselheiro e nunca mais, por vontade própria, voltou a integrar aquele órgão. Vale
salientar que por causa do afastamento do campeonato, o Santa foi suspenso por
60 dias pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Assim, o sonho do
tricampeonato desmoronou-se. Com isso Capiba teve que arquivar por tempo
indeterminado uma marcha-exaltação que estava terminando de compor, justamente para
saudar comemorar o Tri.
Cumprida a suspensão, o Santa Cruz voltou às atividades
normais. Participou do restante do campeonato, mas já sem chance de conquista-lo.
Daí para frente, o compositor, que desde 1934, quando saboreou seu primeiro
sucesso no Carnaval, com o frevo-canção É de Amargar, (RCA
nº 33.752), gravado pelo cantor carioca Mário Reis, desfrutava de prestígio nas
hostes musicais do Recife, vislumbrava a cada início de temporada a chance de
tirar do fundo do baú a música que fizera para homenagear o clube que tanto
amava. Todavia, dentro de campo o Santa não colaborava, deixando Capiba cada
vez mais decepcionado, pois a Cobrinha levou dez anos para voltar a levantar a
taça. Sem dúvida, um torturante jejum,
uma vez que só em março de 1958, o Tricolor do Arruda fez o povão explodir, ao arrebatar
seu primeiro supercampeonato. O título referia-se ao certame de 1957, que
estava atrasado.
O SANTA EXALTADO
Finalmente, o genial – e às
vezes genioso – Capiba pôde homenagear seu Santa Cruz, com a tal marcha-exaltação”
denominada “O Mais Querido”, até hoje a música mais
cantada ou executada nos momentos de euforia dos torcedores corais, tendo mesmo
se transformado numa espécie de hino do clube.
O campeonato de 1957 – cada um dos três grandes, Náutico,
Santa Cruz e Sport, ganhou um turno, daí a realização do supercampeonato – como
já foi dito, passou de um ano para outro, e só em 1958, portanto, Capiba viu
sua composição estourar na voz de outro monstro sagrado da vida artística de
Pernambuco, o alvirrubro Claudionor Germano.
O disco, gravado sob o selo Mocambo
nº 15.216/B, da Fábrica de Discos Rozenblit, dos irmãos rubro-negros José e
Isaac Rozenblit, situada na Estrada dos Remédios, passou a ecoar com toda a
força nas rádios Clube, Jornal, Tamandaré e Olinda, as únicas existentes na
área. Qual o tricolor que nunca se emocionou, pelo menos uma vez, ao ouvir
estas estrofes?
Santa Cruz
Santa Cruz
Junta mais essa vitória
Santa Cruz
Santa Cruz
Ao teu passado de glória
És o querido do
povo
O Terror do Nordeste
No gramado
Tuas vitórias de hoje
Nos lembram vitórias
Do passado
Clube querido da multidão
Tu és o supercampeão
Onde se lê super, antes estava tri, posto ter sido a
composição feita originariamente para festejar o tricampeonato de 1948, que terminou
não acontecendo. Em 1976, com o segundo Super, Capiba alterou para “Tu és o bi-supercampeão”. Mais
tarde, em 1983, com a conquista de outro supercampeonato, a própria torcida
encarregou-se de substituir o bi pelo tri.
Possuidor das cadeiras de número 224 e 225 no Estádio José
do Rego Maciel, Capiba nos últimos anos de sua existência havia deixado de frequentar
o Arruda. Com problemas cardíacos, procurava evitar as emoções causadas pelo
fantástico mundo da bola, mas não esquecia o Santa. Sempre que este jogava,
colocava uma bandeirola com suas três cores prediletas na janela. Vários
objetos seus foram doados, ainda em vida, ao museu tricolor, como a primeira
carteirinha de sócio.
OUTRA HOMENAGEM
Em 1990, Capiba voltou a
homenagear seu Santa Cruz, com o frevo-canção, “Se tu és tricolor”. Vejamos:
Que Deus te abençoe
Se não és tricolor
Que Deus te perdoe
O Santa tem a fibra
Dos Guararapes
Por tradição
É o mais querido
E sempre será
O clube da multidão
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