PIONEIRISMO NACIONAL

 Locutor é barrado na Jaqueira e transmite jogo de um terraço



 Texto original de EDUARDO PARIN


O pioneiro Abílio de Castro (E). (Foto: webjornalismounicap.br)



 Não é exagero afirmar que, na América Latina, o rádio nasceu no Recife. Afinal, em 6 de abril de 1919, um grupo de amadores de recepção radiotelegráfica fundou a Rádio Clube de Pernambuco, que está no ar até hoje. Passaram-se mais de 100 anos e o rádio pernambucano se tornou sinônimo de informação, prestação de serviço e lazer. Sem contar as narrações memoráveis de gols e títulos de Sport, Santa Cruz e Náutico, que penetraram o imaginário de torcedores de diferentes gerações.

O que poucas pessoas sabem, no entanto, é que a capital pernambucana foi, também, pioneira da narração esportiva no rádio brasileiro. Em 12 de julho de 1931, quando o futebol no Estado ainda era amador, o lendário locutor Abílio de Castro (1901-1989) empunhou o microfone da Rádio Clube de Pernambuco e, de maneira completamente artesanal e experimental, levou o transmissor do Canhão do Nordeste ao extinto Campo da Jaqueira, na Zona Norte do Recife, para narrar o embate entre Seleção Pernambucana e Seleção Paraibana, válido pelo Campeonato Brasileiro de 1931.

Determinado a entrar para a história, Abílio de Castro, porém, não conseguiu subir nas estruturas da arquibancada do antigo campo do América. Os cartolas presentes no pequeno estádio impediram a entrada do locutor pioneiro - afinal, sua capacidade irradiadora poderia levar à massa um esporte que, até então, era praticado apenas pela elite pernambucana.

 

Campo da Jaqueira, onde o América dava as cartas (Arquivo)

Perseverante, Abílio de Castro não poderia deixar de lado sua tarefa de detalhar o que via no campo para os torcedores que não conseguiram ingresso. Por isso, mesmo sendo enxotado do Campo da Jaqueira, o locutor traçou possibilidades de narrar o jogo. Entre elas, surgiu a lembrança de seu amigo, Edgar Altino, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Altino morava ao lado do Campo do América e, pelo fato da arquibancada ser baixa, seu terraço tinha ampla visão do gramado. Da primeira cabine de imprensa - improvisada, é fato -, Abílio de Castro driblou os dirigentes e narrou o jogo que terminou em vitória pernambucana: 6 a 2. Pesquisador pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em radiojornalismo esportivo e autor de um artigo científico que investiga o pioneirismo de Abílio de Castro, Ciro Götz explicou à reportagem do Esportes DP a importância do episódio.

“Eu estava fazendo uma investigação a respeito dessas questões de pioneirismo e acabei vendo uma referência sobre Abílio de Castro através de Renato Phaelante, pesquisador muito conhecido em Pernambuco. Eu vi dizendo que em 1931, Abílio de Castro havia sido expulso de campo pelos dirigentes e aquilo ficou na minha mente”. 

“É um valor fundamental na história do rádio brasileiro. Porque é um tipo de prática que surgiu com desconfiança de dirigentes, pessoas que achavam que o rádio poderia afastar o público dos estádios”, contou.

Por conta da falta de evidências e documentos que comprovem, com toda a certeza, a transmissão de Abílio de Castro, há um debate sobre o suposto pioneirismo do pernambucano. A ausência da confirmação vinda diretamente do locutor, morto em 1989, é o principal ponto da discussão entre os pesquisadores. Curiosamente, o narrador que é visto como pioneiro por parte dos acadêmicos, Nicolau Tuma, pela Rádio Educadora Paulista, de São Paulo, realizou a primeira irradiação no dia 19 - somente sete dias depois de Abílio.

Se oficializou, ao longo dos anos, o pioneirismo de Nicolau Tuma, aquele que teria sido o primeiro narrador a fazer uma transmissão de uma partida de futebol, no mesmo ano. Aí ao longo da pesquisa, fui buscando evidências que comprovem que, de fato, houve a transmissão”. 

“Renato Phaelante me garante que, sim, ele transmitiu de forma improvisada. Maranhão Filho (Luiz), grande pesquisador do rádio, também garante que aconteceu. Mas faltava informação concreta. Principalmente, dita por ele. Mas eu levantei que isso aconteceu porque são várias evidências”, concluiu.

ADENDO

Os gols do time da casa, no encontro Pernambuco 6 x 2 Paraíba, pelo antigo Campeonato Brasileiro de Seleções, foram marcados pelo alvirrubro Osvaldo Salsa (3) e pelos rubro-negros Jubal Caldas (2) e Marcílio.

Pernambuco alinhou: Valença; Sherlock e Fernando Rodrigues; Sebastião Virada, Julinho e Faustino; Aloísio, Marcílio, Osvaldo Salsa, Jubal Caldas e Cabral (Bivar).

 

 

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