Juiz, técnico, recordista e brigão
Uma das figuras que mais se destacaram no futebol pernambucano de tempos idos foi José Mariano Carneiro Pessoa. Celebrizou-se como técnico, tendo dirigido as do América, Náutico, Santa Cruz e Sport (PE), América (RJ) e Vitória (BA). Comandou mais de uma vez o time de Pernambuco no Campeonato Brasileiro de Seleções. Na Terra dos Altos Coqueiros foi campeão sete vezes e meia: Santa Cruz-1946/47; Náutico-1950/51/52 (invicto) e 1954 (foi substituído durante o campeonato por Ivanildo, o capitão do time, que deu lugar a Sílvio Pirilo); Sport-1961/62. Levantou a taça também na Bahia pelo Vitória.
Comprido e magro, ganhou o apelido de
Palmeira, quando defendia, como zagueiro, o Encruzilhada no Campeonato
Suburbano, o Amador de hoje, futura Série A 3. Atuou também nos juvenis do
Sport e do Santa Cruz, mas logo desistiu de ser jogador, dedicando-se à
arbitragem. Depois é que virou técnico e em alguns momentos funcionou como
supervisor, gerente, empresário e
preparador físico.
Recordista de permanência em clubes, na primeira
vez em que esteve no Santa Cruz reinou durante três anos e sete meses,
ininterruptamente; no Náutico foram quatro anos e 10 meses; e no Sport, quatro
anos e alguns dias.
Temperamental, Palmeira era ao mesmo
tempo, uma criatura afável e educada, que estava todos os dias na calçada do
Café Lafayete e depois do Bar Savoy, pontos de encontro de dirigentes,
torcedores e jornalistas. No Lafayete chegou a se engalfinhar com Zago,
zagueiro do Sport e mais tarde árbitro.
Geralmente de terno branco e sapatos
lustrosos, Palmeira era facilmente identificável. Como árbitro, foi
contemporâneo de Argemiro Félix de Sena, o famoso Sherlock. Certa vez adquiriu
um cronômetro, o que lhe possibilitava parar a marcação do tempo de jogo sempre
que a partida fosse interrompida. Uma grande novidade, que rendeu até notícia
em jornal.
Palmeira era tão acreditado e respeitado
que, já exercendo o cargo de treinador do Santa Cruz, depois de ter abandonado
o apito, duas vezes teve que reassumir a antiga função, voltando a apitar por
ter sido escolhido pelo Náutico e pelo Sport, protagonistas do tradicional Clássico dos Clássicos. Sem
dúvida, um exemplo de extrema credibilidade. É verdade que o tempo era outro.
Palmeira
era sempre solicitado para atuar em outros Estados, inclusive no Rio de
Janeiro. Como era costume, as equipes ao excursionar incluíam um árbitro na
delegação. O famoso recifense participou de dois momentos que ficaram na
história do futebol de Pernambuco: a célebre Embaixada Suicida, do Santa Cruz,
e a pioneira viagem do Sport ao Centro-Sul.
Zago |
Quando estava viajando com o Sport, foi
questionado pelos jogadores na derrota por 2x1 para o Coritiba, na estreia dos
rubro-negros no Paraná. O grandalhão Zago, visivelmente irritado, perguntou-lhe
a razão da anulação de dois gols legítimos do Sport e da confirmação do tento
da vitória dos paranaenses, marcado em franco impedimento. No seu História
do Futebol em Pernambuco, Givanildo Alves registrou esse diálogo entre o
zagueiro e o juiz:
–
Palmeira, que safadeza é essa?
–
Calma, Zago, calma, os homens acertaram um negócio aí pra haver uma negra. Fale com Seu Hibernon –
referia-se ao chefe da delegação, o advogado Hibernon Wanderley.
Na revanche, o Leão aplicou uma goleada de
4x0. Veio a partida tira-teima, com estádio lotado. Deu Sport novamente: 3x1.
Ainda em Curitiba, dirigindo um jogo da
equipe leonina contra o Britânia, Palmeira paralisou a partida faltando cinco
minutos para o encerramento, tendo ido até a plateia para discutir com um
torcedor que lhe hostilizava. Os dois se engalfinharam, mas foram separados
pela turma do deixa disso. O árbitro pernambucano sequer respeitou o fato de se
encontrar em terra alheia. Deu o troco, à sua maneira. Passado o incidente,
simplesmente voltou para dentro de campo, como se nada tivesse acontecido, e
deu prosseguimento ao amistoso.
Mais tarde, no Rio Grande do Sul, o
Sport estava derrotando o Internacional, num jogo cujo pontapé inicial foi dado
solenemente pelo prefeito de Porto Alegre, Loureiro da Silva, que vinha dando
toda a assistência à equipe pernambucana, como Presidente de Honra da
delegação. A violência tomou conta da
partida, principalmente porque o Leão chegou a estar vencendo por 2x0, e os
gaúchos não aceitavam o resultado. O placar final foi um empate por 2x2.
Encerrado o primeiro tempo, com o Sport
ganhando por 2x1, os pernambucanos quase não chegam ao vestiário, tamanha a
hostilidade da torcida. Palmeira foi
xingado por um torcedor e não teve a menor dúvida, pegou uma cadeira e jogou-a
em direção ao povo. Os torcedores reagiram. Formou-se uma enorme confusão, e
uma sombrinha foi atirada para dentro de campo, atingindo o jogador Furlan, da
equipe rubro-negra.
Assim era Palmeira, que, como árbitro ou
como técnico não levava desaforo para casa.
Quando comandava a equipe do
Sport, no início dos anos 60 – foi bicampeão em 1961/62 – Palmeira acertou dois
jogos num fim de semana, na Paraíba. No sábado, à noite, o Leão jogou em
Campina Grande, contra o Campinense, e domingo, à tarde, em Patos, contra o
Esporte local. Como sempre fazia nas viagens de sua equipe pela região,
Palmeira tinha levado um árbitro integrado à delegação. Isso era comum.
Para aquela
visita ao Estado vizinho, o escolhido por Palmeira foi um gaúcho contratado
pela Federação Pernambucana de Futebol, de nome Alberto Sanchez. Falava afinado
e rápido. Andava ligeiro e era uma figura um tanto cômica. Basta dizer que
quando estreou no futebol pernambucano, comandando um jogo intermediário, na
Ilha do Retiro, cismou de entrar em campo correndo. A arquibancada quase veio
abaixo com a cena, assaz nunca vista por aqui: aquele juiz de pequena estatura,
num pique só, em direção ao centro do gramado. Foi recebido com gargalhadas e
vaias.
No amistoso em
Campina Grande, o gaúcho tinha a missão, embora não declarada, mas no mínimo
insinuada nas conversas com membros da delegação, de dar uma mãozinha aos
pernambucanos. Só que ele, atrapalhado pela própria natureza, terminou deixando
os visitantes muito aborrecidos. O Campinense quase come de coco, e o Sport
teve que se contentar com um empate arrancado a bíceps. Mais tarde, no hotel,
Zé Maria, o capitão do time, fez seu protesto:
– Olha aí,
Palmeira, de nada adiantou trazer juiz. Foi até pior porque ele só fez
prejudicar a gente, e o Sport quase perdia o jogo.
Alberto Sanchez
ouviu a bronca do capitão do time, e antes que o temperamental e autoritário
Palmeira entrasse na conversa, com seu jeito esporrento e mandão, o juiz tratou
de salvar sua pele:
– Pode deixar,
Zé Maria, que no outro jogo a gente ajeita as coisas.
Em Patos, com o
estádio lotado, o juiz chamou os bandeirinhas e passou-lhes a estranha
determinação:
– Vocês só
precisam marcar lateral porque o resto eu apito tudo.
Já de orelha em
pé por causa dos agrados de Alberto Sanchez aos jogadores do Sport, o capitão
da equipe paraibana, um brutamontes, entrou na parada:
– Eles só vão
marcar lateral e você não vai marcar nada.
Zé Maria, capitão do Sport e da Seleção Cacareco |
Dito isto, tomou o apito das mãos do árbitro. Criou-se aquele bafafá dentro de campo, antes mesmo de o jogo começar. A torcida entrou no gramado, e Alberto Sanchez, como qualquer mortal, começou a tremer. Palmeira, que sempre estava metido em confusão, resolveu comprar a briga. Afinal, se Sanchez sobrasse, quem ficaria desmoralizado seria ele, que o havia escolhido para acompanhar a delegação, raciocinou. Depois de muita conversa e da intervenção da família de Palmeirão – o ex-presidente do Sport Antônio Alexandrino Palmeira, nascido em Patos – ficou resolvido que o gaúcho apitaria o amistoso, sim, mas com uma condição: se ele não atuasse direito, a partida não terminaria e ninguém sabia o que iria acontecer. Com tanta pressão, o juiz da delegação passou a ter cuidado dobrado para não prejudicar o time da casa e terminou se perdendo. Novamente, o Sport quase entra pelo cano e teve que se conformar com novo empate. No fim do jogo, o coitado de Alberto Sanchez ainda posou de herói:
– Tá vendo, Zé
Maria, cumpri o que prometi. Eles queriam ganhar de todo jeito, mas eu não
deixei.
Na realidade,
aconteceu o contrário. O pessoal de Patos é que não deixou que Sanchez
“ganhasse” o jogo.
Palmeira tornou-se uma espécie
de faz tudo nos clubes onde trabalhou, funcionando como treinador, preparador
físico, empresário, supervisor e chefe de delegação naquelas viagens brabas que
não interessavam aos dirigentes. Desconfiado, não podia perder um jogo, pois
levantava logo a suspeita de que algum jogador estava no mondé. Mais de uma vez ameaçou agredir um atleta, mas a turma
amenizava a situação.
Uma notícia
publicada em 3 de novembro de 1954 pelo Diario
de Pernambuco sob o título
“Técnico se atraca com jogador e é demitido pelo Náutico” dá uma ideia de como
agia aquela lendária personagem do futebol pernambucano. Dizia a matéria: “Na manhã de domingo, poucas horas antes
do encontro com o Santa Cruz, estavam os alvirrubros, técnico e jogadores, em
sua concentração, em Beberibe. Em dado momento, o técnico Palmeira divisou os
jogadores Manuelzinho, Djalma e Wilton, que vinham do lado do pomar onde está
localizada a concentração. Vinham alegres, e Djalma trazia alguns cajus nas mãos.
Ao vê-los, Palmeira se dirigiu aos jogadores, dizendo-lhes que eles bem sabiam
que aqueles cajus eram dele, Palmeira, e não podiam ser tirados, pois eram para
vender. Djalma respondeu às palavras do técnico com uma brincadeira, o que
irritou mais ainda Palmeira, que, a essa altura avançou para Djalma. O jogador
revidou a agressão, travando-se um corpo a corpo, que foi logo encerrado pelos
outros jogadores presentes. Poucos instantes depois, chegava um dos dirigentes do
Náutico, por sinal, o diretor de futebol, a tempo de ainda observar qualquer
anormalidade. Procurou inteirar-se do ocorrido e, uma vez a par dos
acontecimentos, comunicou-se imediatamente com o presidente Eládio de Barros
Carvalho. Como não poderia deixar de ser, o presidente do alvirrubro determinou
logo o afastamento de Palmeira e Djalma da concentração e afetou o caso à
diretoria do clube, que hoje à noite vai apreciar os acontecimentos”. O
treinador, como já se esperava, recebeu o bilhete azul.
Ivanildo, jogador e técnico provisório do Náutico |
Imediatamente Palmeira foi dispensado
tendo sido o comando da equipe entregue ao capitão do time, Ivanildo, na
intimidade do elenco, Espingardinha. Depois que o garanhuense dirigiu a equipe
e ao mesmo tempo jogou em 11 partidas, o clube trouxe Sílvio Pirilo, do Rio de
Janeiro. O novo treinador ficou na boca do túnel durante a série melhor de três
com o Sport – dois empates e uma vitória dos alvirrubros – e entrou para a
história do clube como o técnico campeão de 1954, glória que seria vivida por
Palmeira não fosse a briga pelos cajus.
Palmeira
voltou a trabalhar no Náutico no início dos anos 70, mas como supervisor. Mesmo
assim dirigiu a equipe, formada por jogadores mais experientes – Dé; Lúcio
Mauro, Eduardo, Fernando Biquara e Marinho; Pedrinho, Bita e Daniel Moreno; Gilvan, Zezinho e Dema, revezando com Lala – numa excursão ao Brasil
Central, com participação no Torneio Integração, em Goiás, e disputa de vários amistosos.
Marinho, revelado nacionalmente pelo Náutico |
Enquanto
isso, o técnico Nelson Lucena estava à frente de um time de atletas mais novos,
disputando a segunda divisão nacional. No fim do ano, Nelson levou ‘sua turma”,
reforçada por Lúcio Mauro e Oscar para uma viagem ao Norte do Brasil, República
do Suriname, Trinidad-Tobago, Jamaica e Haiti, no Caribe. Foi nesse giro que o
Alvirrubro descobriu o jamaicano Alan Cole. Viajaram Mário César, Varlindo,
Genival, Gonçalves, Lúcio Mauro, Vítor, Oscar, Carlos, Fernando, Ubirajara,
Zezinho Caicó, Tico, Paulo Roberto, Erasmo, Marcos e Elói.
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