Bola e sombrinha de mãos dadas em Pernambuco
LENIVALDO ARAGÃO
Reprodução dreamstime |
“Quem é de fato um bom pernambucano / Espera um ano e se mete na
brincadeira...” Qual o pernambucano que não se lembra do célebre frevo-canção
de Luiz Bandeira denominado “É de fazer chorar”, também chamado de “Quarta-feira
Ingrata?”
Pernambuco festeja nesta data (14-09-2022) mais um Dia Nacional do
Frevo.
Um detalhe interessante é que na Terra dos Altos Coqueiros, o
frevo e o futebol andam de braços dados. Aqui existe um impressionante acervo de músicas, possivelmente o maior do
Brasil, louvando os três principais clubes do Estado, Náutico, Santa Cruz e Sport.
Outras agremiações também são
favorecidas, mas nesta reportagem mostraremos apenas algumas dedicadas ao Trio
de Ferro.
GOL DE TARÁ
Em 1941, o radialista Ziul
Matos e o maestro Nelson Ferreira reuniram as três grandes paixões do torcedor
pernambucano num só frevo, chamado “Qual é o Score, Meu Bem?”, gravado pelo carioca Henrique Fóreis Domingos,
o célebre Almirante (1908/1980), radialista, cantor, compositor e pesquisador musical.
A música propriamente dita é antecedida pela transmissão de trecho de um hipotético jogo da Seleção Pernambucana, que termina em gol:
'Atenção!
Reiniciou-se a partida! Bola em poder de Jango, que passa a Plínio. Este atrasa
para Marques. Que estende para Cidinho. Avança o meia-esquerda do selecionado,
que combina muito bem com Wilson. Escapa Wilson, avança em boas condições e
centra magnificamente. A pelota vem aos pés de Tará. Este atira forte. Gol!"
Entra, então, a composição:
“Seja da cobrinha
Seja do timbu
Ou seja do leão
Eu não faço questão
Quero meu benzinho
Que neste carnaval
Você torça um bocadinho
Pelo meu coração!!!
Casaca! Casaca! Casaca!
Casá...casá...casá!!!
A turma é mesmo boa
É mesmo da fuzarca
No campo do amor
Pelo teu coração
Serei bom jogador
Em qualquer posição
Somente eu lhe peço
É bem pouco o que desejo
Cada gol que eu fizer
Você paga com um beijo'."
Obs.: casaca, casaca é o grito de guerra
da torcida do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. Casá, casá é o do Sport.
CAPIBA, NELSON E ROZENDO
Desde 1930 têm sido feitos frevos para enaltecer os times pernambucanos. Alguns
viraram uma espécie de hino do clube que exalta, como aquele com que o surubinense Capiba – Lourenço
da Fonseca Barbosa (28/10/1904 – 31/12/1997) louva seu Santa Cruz após o
supercampeonato de 1957. Disco Mocambo nº
15.216/B, na voz de outro monstro
sagrado do frevo, Claudionor Germano. Confira a letra:
“Santa Cruz
Santa Cruz
Junta mais essa vitória
Santa Cruz
Santa Cruz
Ao teu passado de glória
És o querido do
povo
O Terror do Nordeste
No gramado
Tuas vitórias de hoje
Nos lembram vitórias
Do passado
Clube querido da multidão
Tu és o supercampeão”
VITÓRIAS COLOSSAIS
Na época, Nelson Ferreira, tricolor como Capiba, porém menos radical, compôs o frevo-canção Supercampeão, também gravado por Claudionor Germano, na pernambucana Mocambo. Além do primeiro Super, o Tricolor do Arruda havia sido campeão no juvenil e no aspirante. No início, a gravação tem um texto falado em que os locutores César Brasil e Rosa Maria, da Rádio Clube (PRA-8) revezam-se, declinando a escalação da equipe supercampeã, emendando com uma convocação ao chefe de torcida, Anísio Campelo:
Capiba e Nelson Ferreira (Foto: Fundaj) |
“Aníbal, Diogo e Sidney; Zequinha, Aldemar e Edinho; Lanzoninho, Faustino, Rudimar, Mituca e Jorginho! Em saudação a estes supercampeões de 1957, o comandante Anísio Campelo, desfraldando a bandeira gloriosa das Repúblicas Independentes do Arruda, dá o seu grito de guerra:
“Atenção,
tricolores
Um,
dois, três, quatro, cinco, seis
Torcemos
com prazer
Queremos
a vitória
Nosso
lema é vencer.
Uah,
uah, uah, Santa Cruz’.
Aqui entra a letra:
“Vamos cantar com toda emoção
Um, dois, três, quatro, cinco,
seis
Saudando a faixa de
supercampeão
A que fez jus o mais querido
Santa Cruz
Foram três as vitórias
colossais
Juvenis, aspirantes,
profissionais
Repúblicas Independentes do
Arruda
Pernambuco vos saúda
Anísio, chama a torcida
Tudo pelo Santa, nosso sangue
e nossa vida
Um, dois, três
Quatro, cinco, seis
Torcemos com prazer
Nosso lema é vencer”
TRICOLOR DE ARREPIAR
Em 1942, Sebastião Rozendo lançava “Cobrinha no Gramado”, gravada
originalmente por Expedito Baracho:
Eu sou Santa Cruz de corpo e alma
E serei sempre de coração
Pois a cobrinha quando entra no gramado
Eu fico todo arrepiado
E torço com satisfação
Sai, sai timbu
Deixa de prosa oh seu leão
Periquito, cuidado com lotação
Que matou pássaro preto
Santa Cruz é tradição
(Cobrinha
– Santa Cruz, timbu –
Náutico, leão –
Sport, periquito –
América, lotação –
o extinto Auto Esporte, clube dos motoristas, e pássaro preto – Íbis)
TIMBU
COROADO
Bloco Timbu Coroado agitando a torcida alvirrubra (Foto: Diario de Pernambuco) |
A primeira música de que se tem notícia, feita para homenagear o Náutico é o Timbu Coroado, surgido na década de 30. Trata-se originalmente de um maracatu composto por três remadores alvirrubros, o pianista Edvaldo Pessoa, Turco, também conhecido por Carioca, e Jair Raposo. A finalidade era mexer com a turma de remo do Sport, que, no Carnaval, enfronhava-se no maracatu Leão Coroado. Os remadores alvirrubros tinham seu maracatu, o Timbu Coroado, que ainda hoje desfila, no domingo de carnaval, por ruas adjacentes ao clube. De maracatu passou a troça, cresceu muito em volume de foliões e atualmente já é considerado um bloco. Só que perdeu a originalidade. Confira:
O nosso bloco é mesmo infezado (sic)
É o timbu, é o Timbu
Coroado
Desde cedinho já está
acordado
É o timbu, é o Timbu Coroado
Entre no passo, que esse passo é de amargar
Essa turma é mesmo boa e
no frevo quer entrar
Não queira bancar o tatu
Eu conheço seu jeito, você é
timbu
Esse negócio de casá, casá,
casá
É conversa pra maluco
Ninguém quer se amarrar
Timbu sabe isso de cor
Casar pode ser bom
Não casar é melhor.
ATÉ PAI EDU
Em 1967, com o Náutico em pleno apogeu, a dupla Ziul Matos e Nelson Ferreira voltou a produzir um frevo-canção, feito especialmente para ser gravado pelo pai-de-santo Edu. O Alvirrubro havia sido pentacampeão, e o conhecido macumbeiro dizia-se responsável pelo feito, pois estava sendo sempre requisitado pelo técnico Duque para fazer uma ‘limpeza’ no elenco. Eis a música:
Dei o bi
Dei o tri
Dei o tetra
E o penta chegou
Ene-a-u-tê-i-cê-o, gol
É gol, é gol, é gol
O vermelho é bravura e
destemor
O branco é paz e é amor
Mas as duas cores juntas
Têm uma nova dimensão
Atenção, futebol do Brasil
Ene-a-u-tê-i-cê-o
Náutico, Náutico
Náutico é pentacampeão
A MORENINHA LEONINA
Embora
seja tricolor, Nelson Ferreira compôs para todos. Sua estreia nessa mistura
entre a sombrinha do frevo e a bola deu-se no já longínquo 1936, quando compôs,
em parceria com Sebastião Lopes, o frevo-canção “Pelo Sport Tudo”, que se
popularizou como Moreninha. Assim como a marcha-exaltação de Capiba, durante
muito tempo, fez as vezes de hino oficial do Leão. Outra vez, o alvirrubro
Claudionor Germano na jogada:
Moreninha que estás dominando
Desacatando agora pelo entrudo
Chegou a hora de gritares
loucamente
Hip, hip, hurrah, pelo Sport
tudo
Vejo no batom dos teus lábios
E no teu cabelo ondulado
As cores que dominam
altaneiras, oh morena
O meu glorioso Estado
E passado o Carnaval
Para que não te falte a boa
sorte, dirás
Na minha vida hei de fazer
eternamente
Tudo, tudo pelo Sport
NINGUÉM SEGURA O SPORT
Este é o título de um dos frevos de Rogério Andrade, nascido em
Bom Jardim, advogado e funcionário aposentado do extinto Bandepe. A música
nasceu quando o Sport estava em plena efervescência, tendo formado a Seleção do
Nordeste, que o levou a se sagrar campeão pernambucano de 1975, quebrando um
jejum que já chegava ao 13º ano. Vamos lá:
Este ano o nosso time
Vai ser mesmo campeão (bis)
Todo mundo vai cantar e dizer
Ninguém segura o Sport, não
Na Ilha vou ver
A turma pular
De alegria quando o time
entrar
E mostrar a bola no pé
Meu Sport em ação
Casá, casá, casá
Ninguém segura o Leão
Casá, casá, casá
ATÉ O REI PELÉ
Quando a Seleção Brasileira, depois de ter levantado seu terceiro título de
campeã mundial, no México, em 1970, se preparava para disputar a Copa de 1974,
na Alemanha, na qual ficaria em quarto lugar, houve uma verdadeira comoção
nacional pela permanência de Pelé, que tinha anunciado seu propósito de deixar
a Canarinha, o que terminou acontecendo.
O fato não passou despercebido pelo compositor e folclorista Sebastião Lopes,
autor do frevo “Volta, Pelé”, na verdade um dramático pedido para que o Rei
disputasse mais um Mundial. Eis a letra:
“Milhões de brasileiros
Estão
Com
De nossa seleção
O rei tricampeão
Promete que vai voltar
Volta, Pelé, volta, Pelé
Na sua Canarinha
Acabou-se aquele olé
Volta, Pelé, volta, Pelé
II
Oitenta milhões
Esperando
Mostre que é tricampeão
Mostre que tem coração
Sebastião Lopes: apelo a Pl |
Tá todo mundo sofrendo
Com essa nossa seleção
Obrigado, Pelé
Pelo tri mundial
Pra bem da Canarinha
Seleção nacional”
O maior craque de todos os tempos foi ainda citado num frevo de Mário Filho, radialista e pesquisador musical. No frevo-canção “Quem me quer”, o compositor fala em esperar o seu amor no “quem-me-quer”, um trecho entre as pontes Duarte Coelho e Boa Vista, à margem do Rio Capibaribe, no centro do Recife, em tempos idos, local de paquera. Diz Mário Filho na sua primeira estrofe:
“Vou esperar o meu amor
No Quem-me-quer
No Quem-me-quer
Eu sou o rei Pelé”.
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