AMÉRICA, 108 ANOS (3ª)

Sobre o Santa do goleiro Barbosa, uma goleada que ficou na história

Macaquinho, um dos goleadores (Foto: Memórias Esmeraldinas)


Uma página inesquecível na existência do América Futebol Clube foi escrita no dia 3 de junho de 1956, quando o Alviverde obteve uma histórica vitória pela contagem de 6 x 3 diante do Santa Cruz. Aquele triunfo tornou-se mais importante ainda pelo fato de o goleiro tricolor ser o famoso Barbosa, titular da Seleção Brasileira seis anos antes,  na Copa do Mundo disputada no Brasil e levantada pelo Uruguai, com os brasileiros sagrando-se vice-campeões.

Não só os torcedores do América festejaram, mas os adeptos dos outros clubes, com exceção dos tricolores, é claro. É que, embora tivesse sua torcida o clube esmeraldino sempre foi o segundo clube do pernambucano.

Na segunda-feira, os jornais traziam manchetes enaltecendo a façanha do Campeão do Centenário. Vejamos algumas:

“O América arrancou a máscara do Santa Cruz”

“Barbosa levou seu clube à derrocada”  “Barbosa em tarde negra”

“Placar de bola de meia no clássico”.

Por esse último título dá para sentir que o clube da Estrada do Arraial fazia parte do quarteto dos grandes, juntamente com Náutico, Santa Cruz e Sport, sendo seus jogos com os componentes do chamado Trio de Ferro considerados clássicos.

Quem foi ao Estádio da Ilha do Retiro naquele domingo, jamais poderia imaginar no que estava para acontecer. O América tinha uma boa equipe, mas se tivesse sido feita uma enquete na Ilha do Retiro, a maioria certamente indicaria a vitória tricolor. O Santa, aliás, formava a base do time que no campeonato seguinte tornar-se-ia supercampeão pernambucano.

Dentro de campo, entretanto, a maioria dos prognósticos foi contrariada e a torcida coral só não linchou Barbosa porque houve uma proteção especial para ele por parte do presidente do clube, o comerciante Boanerges Costa. Este desafiou torcedores armados de pedras e paus ao sair do vestiário em companhia do goleiro, levando-o para seu carro, de onde rumou para qualquer ponto da cidade.

– Vou sair com o homem, pra bater nele têm que bater primeiro em mim – disse o comandante tricolor à turba que se comprimia na frente do vestiário, deixando Barbosa receoso, diante da possibilidade de alguma reação violenta, o que, para sua felicidade não aconteceu.

GOLS E IMPROPÉRIOS

A vitória do América começou a pintar aos 15 minutos, com um gol assinalado por Dimas, depois de passar por Aldemar, chamado de O Príncipe, por causa da classe que exibia (Anos mais tarde, Aldemar iria defender o Palmeiras, tendo chegado à Seleção Brasileira). Aos 19 minutos, alívio nas gerais, onde se concentrava o grosso da torcida santacruzense: o meia Rubinho empatava o jogo.

 

A alegria de Barbosa no Santa parou na goleada (Reprodução internet)

A partida mostrava equilíbrio, com o América resistindo às pontadas do Santa Cruz e partindo também para o ataque. Aos 40, numa de suas tentativas, o  Alviverde voltou a encontrar o caminho do gol, através do argentino Celly.

No intervalo, entre copos de cerveja ou picolés, torcedores do Santa Cruz, apesar da derrota parcial de 2 x 1, ainda faziam planos sobre a reação de seu time. As esperanças dos tricolores começaram a se desvanecer, logo aos 7 minutos da segunda fase, com novo gol de Dimas. O chute saiu fraquíssimo, Barbosa ainda chegou a tocar na bola, porém, não evitou que ela fosse aninhar-se no fundo de sua rede.

Calada, já sem ânimo, a galera tricolor acompanhava a movimentação de sua equipe, fustigando um adversário que lhe resistia bravamente. O povão saiu do marasmo em que se encontrava, aos 32 minutos, quando o atacante Otávio, deslocado para a ponta-esquerda, assinalava o segundo gol tricolor.

A geral voltava a se assanhar, e Anísio Campelo, o chefe da torcida, calça branca, camisa tricolor e boné idem, agitava sua enorme bandeira, puxando o coro:

“Um, dois, três, quatro, cinco, seis

  Torcemos com prazer

  Queremos a vitória

  Nosso lema é vencer

  Uah, uah, uah, Santa Cruz.”

Esse entusiasmo cederia lugar novamente à tristeza, três minutos depois, quando o centroavante Macaquinho, aproveitando uma saída em falso de Barbosa,  fazia o garoto do placar mexer nos números outra vez: América 4 x 2.

O desespero tomava conta da massa. Os maiores impropérios eram assacados contra Barbosa, que estaria facilitando a vitória americana para forçar sua liberação, posto que dias antes havia pedido rescisão de contrato, uma vez que pretendia voltar para o Rio de Janeiro.

Para aumentar a revolta da torcida tricolor, um minuto depois do gol de Macaquinho, um chute despretensioso de Zezinho, o ponta-direita Zezinho Caixão, vai se aninhar no barbante. Era o América balançando a rede pela quinta vez. Puro bambo, pois a intenção de Zezinho era centrar a bola na área, mas o chute pegou errado. Sorte dele e azar de Barbosa. Mais do que uma goleada, uma tragédia. A torcida do Santa mostrava-se cada vez mais raivosa.

– Não adianta o pessoal brigar e fazer gol lá na frente porque esse moleque tá no mondé – dizia um, insinuando que o goleiro da Cobra Coral tinha sido subornado.

– É melhor tirá-lo e deixar o time com dez – propunha outro torcedor,  exalando os ares de sua revolta.

Vale salientar que na época não havia substituição e mesmo que um jogador ficasse impossibilitado de continuar jogando, seu time atuaria até o fim da partida com menos um.

E a esculhambação em cima do goleiro não parava:

– Quer voltar pro Rio e tá deixando a bola passar, de propósito.

A paixão de alguns torcedores transformava-se em ódio mortal, como o autor desta ameaça:

– Ele não sair vivo daqui, vou mostrar como age uma torcida formada por cabra macho de vergonha.

Isaldo ainda desconta para o Santa, mas Zezinho dá o golpe de misericórdia, assinalando o sexto gol tricolor. Placar final: América 6, Santa Cruz 3.

O América alinhou: Leça; Geroldo e Cido; Claudionor, Rosael e Claudinho; Zezinho, Dimas, Macaquinho, Celly e Gilberto Segundo.

O Santa Cruz foi goleado com: Barbosa; Palito e Guta; Zequinha, Aldemar e Edinho; Jorge de Castro,  Wassil, Isaldo, Rubinho e Otávio.  

 

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