BOLA, TRAVE E CANELA-Lenivaldo Aragão

 Um árbitro treloso e um bandeirinha valentão


 

Ilustração de Humberto Araújo

Os torcedores mais antigos certamente ouviram algumas histórias que, reais ou fictícias, traziam à tona o submundo que diziam existir entre as amplas muralhas que circundavam o futebol brasileiro. Havia um nome que circulava por todo o País, envolvido em episódios dominados pela trapaça. Era o árbitro paulista João Etzel, não João Etzel Filho, que também era do ramo, mas o pai dele, muito treloso, conforme comentava-se.

De seu gabinete, no comando da arbitragem na Federação Paulista de Futebol, dizia-se, poderiam sair resultados de jogos em qualquer parte do solo bandeirante. O famoso árbitro espalhava medo e terror, situação que se irradiava por outros Estados da terra onde canta o sabiá, como exaltou o poeta maranhense Gonçalves Dias em seu poema Canção do Exílio.

O jornalista, goleiro de futebol e técnico de futsal Gilberto Prado, conhecido por Betoca, que nos deixou faz pouco tempo, já conhecia a fama de João Etzel, quando chegou a Campinas-SP, onde dirigiu o jornal Diário do Povo. Betoca ouviu o relato de alguns episódios envolvendo João Etzel, chamado de “o juiz mais ladrão do futebol brasileiro”. E ele não estava nem aí.

Segundo Betoca, o árbitro Mário Vianna, com dois enes, como fazia questão de dizer, que representava a linha dura e séria do apito nos anos 50 e lá vai fumaça, jactando-se de sua condição de ex-membro da extinta Polícia Especial do Rio de Janeiro, contava esta passagem:

Encerrada uma partida, na qual o Vasco havia perdido para o São Paulo por 1 x 0, com João Etzel no apito e Mário como um dos auxiliares, o trio da arbitragem deixava o gramado, sob o grito ensandecido da torcida vascaína:

– Ladrões, ladrões!

Naquele tempo não se ouviam tantos palavrões cabeludos nas arquibancadas, como acontece hoje em dia. Quanto mais a torcida gritava, mais Mário Viana inflava o peito em pose de militar. Até gesticulava, como se chamasse algum daqueles irados cruz-maltinos para descer e procurar tirar a diferença com ele. Logicamente, ninguém se atrevia a tamanho desatino. Toda a Cidade Maravilhosa conhecia uma parada envolvendo o antigo policial. Numa época de Natal, como costumava fazer anualmente, Mário Vianna transitava por um subúrbio carioca, vestido de Papai Noel, levando presentes para os alunos pobres de um educandário. Alguns meninos acompanhavam-no. O velhinho de barbas brancas passava na frente de um bar. A um canto uma turma enchia a cara. Alguém achou de soltar uma lorota com Papai Noel, faltando-lhe com o respeito. O espírito policial baixou em Mário Vianna, que prontamente botou o saco no chão, e de barba e tudo meteu a munheca pra cima. E haja correria, pois o bom (?) velhinho mostrou logo ser bom de briga.

É claro que ali no estádio do Vasco, todos conheciam a valentia do bandeirinha. Ninguém iria cair na esparrela de encarar a fera.

Já perto da entrada do vestiário, quando a gritaria tornara-se mais infernal, João Etzel, mostrando-se decepcionado, comentou:

– Pois é, Mário, a gente faz o maior esforço pra acertar, mas sempre aparecem torcedores inconformados pra chamar a gente de ladrão.

Mário Vianna ia dizer qualquer coisa, mas não teve tempo porque João Etzel emendou:

– Eu só estou chateado por você, que é um homem honesto. Por mim não porque eu sou ladrão mesmo, todo mundo sabe, por isso não ligo para essas coisas.    

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