Araponga: comemoração em família (Foto: Divulgação) |
– Olha Araponga ali.
A frase do lateral-direito Gena, numa
tarde de 1968, provocou uma gargalhada geral entre os jogadores do Náutico. Sentados,
à beira do gramado dos Aflitos, eles esperavam o início de mais um treino do
então pentacampeão pernambucano, na sua marcha em busca do Hexa.
O novo roupeiro do clube, Severino
Matias de Carvalho, nascido em 07/07/1940, atravessava o portão diante das
sociais, e perdia naquele momento o apelido de Miruca, trazido do time dos
portuários.
Torcedor timbu, o agora funcionário do
Alvirrubro procedia das Docas do Porto do Recife, em cuja equipe jogava. Por
ser muito veloz, tinha o apelido de Miruca, um ponta-direita paraibano, que
brilhou no Treze, Náutico, Santa Cruz e São Paulo.
Os colegas achavam Severino, que todos
tratavam por Biu, com algum jeito de Miruca, quando estava com a bola no pé.
Para Gena, o recém-chegado responsável
pela rouparia do clube dos Aflitos, lembrava Araponga, um meia-armador do Santa
Cruz, tão magro como o Miruca de araque. Por coincidência, os verdadeiros
Miruca e Araponga procediam de Campina Grande, na Paraíba. O ponta-direita foi
revelado pelo Treze e o meia pelo Campinense, os rivais históricos da chamada
Rainha da Borborema.
Momentos depois da brincadeira tirada
por Gena, um dos maiores laterais do futebol brasileiro, naquela época, o
técnico Duque, que também gostava de uma greia, ‘oficializava’ o apelido:
– Araponga, traz as bolas pro campo.
Nova risadagem e daí para frente, o
ex-portuário passou a viver sob a nova denominação.
Se há uma pessoa engraçada, esta é
Araponga. A começar pelos dribles que aprendeu a dar nos inúmeros pedidores de
camisa. Dificilmente esquenta a cabeça. Ao contrário, com seu jeito calmo e
andar desapressado, normalmente desarma as mentes mais apoquentadas. É
sobretudo, espirituoso. Certa vez chegou aos Aflitos um grupo de um certo
Instituto de Línguas, oferecendo um curso de inglês aos jogadores. Sem saber
com quem estavam falando, depararam-se com Araponga e sua verve. Ficaram desorientados:
– É trabalho perdido. Os jogadores daqui dizem
que descem pra baixo e sobem pra cima, e que só falam brasileiro – disse-lhes o
roupeiro.
O supersticioso Duque (Foto: arquivo do Blog) |
Araponga pode não ter superstições,
mas muitas vezes foi obrigado a conviver com as dos outros. No tempo de Duque,
por exemplo, guardava com muito carinho a camisa surrada que o treinador usava a
cada jogo do campeonato, bem como o velho par de meias de cores diferentes,
outra ‘simpatia’ do mineiro, que não esquecia de calçá-las, momentos antes das
partidas. Por essas e outras terminou sendo chamado de catimbozeiro.
– É, inventaram isso, mas quem fazia
tudo era João de Maria – defende-se, referindo-se a um antigo jogador do Santa
Cruz, que virou massagista.
E haja pinhão roxo, sapo costurado,
sal grosso, galhos de arruda e coisas do gênero.
Quando, anos mais tarde, o outro
Gena, ex-Sport, contratado pelo Náutico, cumprimentou-o ao chegar à Avenida
Conselheiro Rosa e Silva, com o clássico “tudo bem?”, Araponga surpreendeu o
volante sergipano com esta resposta:
– Tudo bem, Gena. Disseram que você é
muito chato, mas eu sou mais chato ainda. Então, acho que a gente vai se
entender.
Era só a maneira de deixar o
recém-contratado à vontade. Gena respondeu com um sorriso meio seco, porém, enquanto
conviveram no mesmo ambiente de trabalho, os dois ‘chatos’ se deram muito bem,
como Araponga havia preconizado.
Dois chatos numa porta só (Foto do Blog) |
BRINCADEIRA
LEVADA A SÉRIO
Decisão do supercampeonato de 1983
entre Náutico e Santa Cruz, no Arruda. Casa cheia, com 76.636 torcedores. Houve
empates nos 90 minutos e na prorrogação, por 1 x 1 e 0 x 0, surgindo a
necessidade da cobrança de pênaltis. A disputa estava empatada, e num chute do paraibano
Porto, do Náutico, houve a impressão de que a bola tinha ultrapassado a linha
fatal, porém, o goleiro Luiz Neto, alegavam os alvirrubros, agira com muita rapidez,
puxando a pelota com grande habilidade e deixando-a sobre a linha. E o goleiro
tricolor começou a comemorar a grande defesa, sob protestos da timbuzada, que
só faltava dar no juiz, o paulista Laerte Marquezine, contratado pela Federação
Pernambucana de Futebol. A galera da Cobra Coral foi ao delírio.
Ainda hoje os alvirrubros reclamam “o
gol não marcado”, porém, Luiz Neto sempre contra argumenta com firmeza:
– A bola não ultrapassou a linha, eu
segurei antes.
O técnico Ernesto Guedes, do Náutico,
suspenso e obrigado a ver aquela final do lado de fora, agitava na arquibancada.
O massagista Charles, já falecido (nada a ver com o treinador e preparador
físico Charles Muniz), ia lá junto dele a todo instante para receber as ordens.
Por coincidência, no momento da
confusão, quem comandava a equipe tricolor era o assistente-técnico, o
ex-lateral Pedrinho, porque Carlos Alberto Silva tinha sido expulso do banco.
Em meio ao bafafá, Araponga ainda teve nervos para brincar.
– Vamos deixar com dois campeões, e a gente
racha o bicho – disse a Pedrinho, que levou muito a sério a lorota do roupeiro
adversário:
– Nada disso, já que estou aqui, perco ou
ganho.
A confusão engrossava e o árbitro era
acossado por uns e outros.
Lá para as tantas, Ernesto Guedes
invadiu o campo e gesticulou para as arquibancadas, incitando os torcedores a
acompanhá-lo. Sem dúvida, uma atitude irresponsável e inconsequente. Ainda bem
que a galera não atendeu ao tresloucado treinador. Como a cobrança de pênaltis
não havia terminado, e por estar a fim de melar, o técnico alvirrubro
dirigiu-se a Araponga:
– Vai lá e bota fogo na rede!
Araponga foi logo apontando para um
determinado ponto do estádio:
– Olhe ali, tem um bocado de guarda,
cada um com dois metros de altura. Se você quiser ir, vá. Eu mesmo não.
É claro que o gaúcho Ernesto Guedes ficou na
dele. Pouco tempo depois, o Santa dava a volta olímpica, festejando seu
terceiro supercampeonato.
Episódio nem um pouco divertido para
Araponga aconteceu na época em que Nunes, o Cabelo de Fogo, defendeu o Náutico.
O sergipano – nascido em Cedro de São João (SE), mas registrado em Feira de
Santana (BA) – tinha oito pares de chuteira, e sempre que o Náutico jogava fora
dos Aflitos, queria que o roupeiro levasse todo o estoque.
Num clássico com o Santa Cruz, no
Arruda, Araponga achou que meia dúzia dava para quebrar o galho e deixou os
dois pares restantes na rouparia. Só que na hora de se aprontar para entrar em
campo, o tal do João Danado achou de pedir justamente, um dos pares que haviam
ficado.
“Isso é implicância”, pensou Araponga,
pois o atacante jamais usara tais chuteiras. Nunes insistiu muito, mas o
roupeiro terminou lhe entregando um dos pares que estavam no saco. O jogador
resmungou durante uns 10 minutos, mas acabou calçando.
O implicante Nunes |
Bola rolando, Araponga torcia a cada arrancada de Nunes para que o gol saísse e o Náutico vencesse a partida, lembrando-se de um sábio conselho do técnico Orlando Fantoni:
– Tenha muito cuidado porque o jogador
nunca tem culpa das coisas. Quando ele escorrega, olha logo para o pé, e com
isso está entregando o roupeiro, insinuando que a culpa é da chuteira, mal
cuidada, e não dele.
Nesse dia, porém, Araponga respirou
sossegadamente. O Náutico venceu o Santa Cruz, e mesmo com a chuteira
indesejada, Nunes balançou a rede duas vezes, com um gol de falta e outro de
bola rolando. Mas daí para frente, nunca mais quis correr o risco. Para onde
ia, levava a carga completa.
VETO DE ARAPONGA
Certa vez, em 1973, segundo contou o radialsta Augusto Martinelli, o Náutico estava contatando um 'caminhão de jogadores'. Araponga observou que um deles, de nome Zé Francisco, tinha muita dificuldade para colocar a faixa que os jogadores usam e a caneleira. Chamou o diirigente Sebastião Orlando, o mecenas dos Aflitos naquela época e aconselhou:
– Chefe, não assine contrato com esse cara porque ele não joga nada.
O cartola confiou na velha experiência do roupeiro, e Zé Francisco perdeu a chance de vestir a camisa alvirrubra. Por sua vez, Araponga ficou livre de um jogador que sequer sabia se aprontar para entrar em campo.
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