Toco, Travo e Canela - Coluna de Lenivaldo Aragão




A noite em que Rafael Gazzaneo assustou o povo de Cuiabá

Em homenagem póstuma ao grande desportista que acaba de nos deixar, o alvirrubro Rafael Gazzaneo, que tocou a primeira reforma do Estádio dos Aflitos, na época atual, reproduzo uma crônica publicada sobre ele na minha coluna “No Pé da Conversa”, no Jornal do Commercio, edição de 23 de fevereiro de 1991:

Rafael Gazzaneo (Superesportes)


Rafael Gazzaneo é um desses alvirrubros fanáticos e idealistas, sempre preocupado com as coisas de seu clube, principalmente com relação a tudo que diz respeito à parte cultural e histórica. Depois de promover o primeiro festival de música, com motivos estritamente alvirrubros, Rafael gravou, no peito e na raça, um elepê com as composições consideradas melhores por um corpo de jurados. A essa altura, ele já cuida do segundo festival e conta, orgulhoso, ter cerca de 250 músicas inscritas ou em fase de inscrição.

– Temos material para gravarmos mais catorze elepês – comenta o radiante Rafael, atualmente empenhado para que a passagem do nonagésimo aniversário da fundação do clube, no dia 7 de abril, não passe em branco e haja uma comemoração à altura de seu significado para a história e para a tradição alvirrubras.

Há um episódio que diz bem da paixão que transborda do coração desse notável torcedor em relação ao Timbu.

Na sua condição de ‘fanático’, Rafael encontrava-se preocupadíssimo, em 1985, enquanto o Náutico brigava com o Santa Cruz pelo título de campeão pernambucano. Aliás, a briga do Náutico era pelo bicampeonato, pois havia levantado o título no ano anterior, quebrando um jejum que já se tornava um incômodo e uma permanente fonte de gozação para os torcedores adversários. Na sua caminhada para o bi, o time dos Aflitos viveu um momento de grande aflição (sem querer fazer trocadilho), quando foi rebaixado para o grupo dos pequenos naquele sistema de acesso e decesso observado no futebol pernambucano de uma fase para outra do campeonato. 

Pois bem, quando sentiram que a vaca poderia ir para o brejo, os dirigentes fizeram um investimento que ainda hoje é lembrado: eles trouxeram nada mais, nada menos, que o centroavante Lima, que não havia dado certo no Corinthians, depois de ter despontado no futebol de sua terra, Mato Grosso do Sul. O resto da história é conhecido. O Náutico deu a volta por cima, puxado pelos gols do artilheiro Lima, o sonhado bicampeonato foi conquistado, Lima projetou-se definitivamente e continua a correr mundo. E a ganhar dinheiro.

O centroavante Lima (Arquivo do blog)


Naquela decisão, Rafael encontrava-se em Mato Grosso, precisamente, em São José do Rio Claro, cidade situada a 330 quilômetros de Cuiabá, desempenhando a função de gerente administrativo e financeiro de uma construtora que abria uma estrada na área.
O Náutico tinha tudo para ser campeão, sem necessidade de melhor de três, bastando derrotar o Santa Cruz num jogo extra. Para tristeza de Rafael e alegria de Reginaldo, único pernambucano da construtora, além do gerente, deu Santa; 2 a 0.

Aquele pessoal construía uma rodovia entre Diamantino e São José do Rio Claro, e precisava de diversão. Portanto, era de se ver a alegria geral, quando veio o primeiro jogo da melhor de três, e Rafael preparou um gordo churrasco para festejar a vitória de seu time. Churrasco e girândola. O nosso aflito alvirrubro fez uma ligação telefônica com a Rádio Tamandaré, bateu papo com a turma da emissora, Haroldo Rômulo, Edvaldo Morais e Ronaldo Gomes, e puxou o som para uma caixa, possibilitando a todos o acompanhamento do jogo.

É verdade que a maioria não estava muito ligada na bola, pois, ninguém tinha nada a ver com o futebol de Pernambuco, exceto o tricolor Reginaldo. Os outros queriam mesmo era comer carne e tomar um ‘mé’. O jogo ficou em 1 x 1. Na segunda partida, Rafael, já em Cuiabá, usando o mesmo esquema para acompanhar o jogo, via DDD, vibrou, sem muito alarde, ao lado da esposa, em casa, com a vitória timbu por 1 x 0, gol de Lima.

Veio o terceiro jogo e novamente, sempre usando o sistema telefônico, o alvirrubro ausente, mas presente com a garra e o coração, preparou-se em grande estilo. Era uma quarta-feira, à noite, e o local escolhido por Rafael para seu aparatoso acompanhamento da decisão foi a Associação dos Nordestinos.

A partida terminou com um empate de 0 x 0. Náutico, bicampeão. Já era perto de meia-noite, quando irrompeu um enorme foguetório em meio à calma do quase início da madrugada. Em Cuiabá, ninguém entre os assustadores moradores conseguiam atinar para a razão daquele pei, pei. O País vivia uma era de paz. Por conseguinte não hvia nenhuma emboança no ar, além da girândola de Rafael.

Pertinho dali ficava a Universidade Federal de Mato Grosso, que estava em fim de aulas noturnas. Surpreendidos com o foguetório inesperado, alunos e professores correram para o meio da rua.

Passada a festa, veio o outro lado a comemoração de Rafael Gazzaneo. Poucos dias depois, o feliz torcedor recebia uma conta de 16 mil cruzeiros – comparando com os tempos atuais, teríamos mais ou menos 16 mil reais. Uma nota preta, portanto.

É que nas ligações interestaduais noturnas havia um desconto, mas no auge da paixão, Rafael não se lembrou que para que houvesse o tal benefício, a ligação inicial teria que ser se desfeita e fosse feita uma nova discagem.

– Eu achava que depois de 20 horas, o desconto era automático disse-me Rafael, lembrando que, com aquele dinheiro, compraria passagens de ida e volta para o Recife e assistiria à decisão em carne e osso. Sem precisar assustar a lpopulação de Cuiabá.

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