Quem
só o conheceu no birô, desempenhando as funções bancárias, jamais poderia
imaginar que aquele senhor gordo, barriga saliente e voz grave, tenha sido algum
dia um craque refinado, a ponto de ser pretendido por grandes equipes do
futebol brasileiro. Chegou mesmo a incorporar-se a uma delas, embora que por
pouco tempo.
Se
dependesse de comparações quanto ao porte atlético nada fazia o executivo
Djalma Passos de Oliveira, recifense do bairro da Torre, se parecer com o Laxixa
que, com seu futebol técnico, recheado de passes precisos e dribles
insinuantes, tanto empolgava quem o via jogar. Encerrou a carreira em pleno
apogeu porque preferiu seguir a profissão de bancário, depois de ter cursado a
universidade.
Uma formação do Sport em 1961: em pé, Bria, Alemão, Manga (ex-santista), Tomires, Nenzinho e Laxixa; agachados, Traçaia, Djalma, Osvaldo, Bentancor e Newton Adrião |
TRICOLOR, CAMPEÃO PELO
SPORT
Laxixa,
que morreu em 14/09/2015, portador de diabetes e suas consequências, e foi
sepultado no Cemitério de Santo Amaro, no Recife, aos 75 anos de idade, embora
tenha se projetado defendendo o Sport, pelo qual foi bicampeão pernambucano em
1961 / 62, teve a bandeira do Santa Cruz envolvendo seu caixão, durante o
velório. É que ele jamais negou sua condição de tricolor, tendo recebido até o diploma
de Conselheiro Emérito do Clube das Multidões.
Ao
seu sepultamento compareceram muitos ex-jogadores, seus contemporâneos no
Sport, amadores ou profissionais, como o ex-diretor da TV Globo Nordeste Cleo Niceas, o ex-goverrnador Gustavo Krause, Geca
e Pedrito, de uma geração anterior, Mourão, Pinheirense, Gilson e Mainha, e
Rogério, este de uma safra muito posterior; ou adversários, entre os quais
Genival, Gena, Ramon, Ramos e Luiz Neto.
DO SUBÚRBIO PARA A ILHA
Laxixa
surgiu numa época em que os campos suburbanos, hoje chamados campos de várzea, proliferavam
no Recife, onde existiam centenas de equipes em atividade. Foi num desses
times, o Cacique, do Zumbi, que, comandado pelo treinador Djalma Araújo, ele deu
oficialmente os primeiros passos, jogando pelo infantil, dos 11 aos 12 anos.
–
Do Cacique saiu muita gente boa, como Adelmo (Sport e Santa Cruz), Cuíca (Santa
Cruz), Biu (Santa Cruz e Seleção Cacareco), Gerivaldo e outros – relembrou
Laxixa certa vez em conversa com este repórter.
Frequentador
assíduo da Praça da Madalena, aos 15 anos defendia o Amazonas, um time de
futsal local, participante do Campeonato Pernambucano. O talento demonstrado
num esporte que requer muita habilidade, valeu-lhe o primeiro emprego, de
escriturário, no Cotonifício da Torre, que mantinha uma poderosa equipe
salonista.
Eram
os idos de 1956, e no trabalho conheceu os irmãos Carlinhos e Marcelino da
Fonte, juvenis do Sport, no campo, Ambos tinham participado da equipe que, dois
anos antes, 1954, havia sido campeã pernambucana da categoria, com o goleiro
Manga sem levar um só gol. Por influência de Carlinhos e de Nena Markman,
Laxixa terminou dando com os costados na Ilha do Retiro, um ano depois.
–
O técnico era Alexandre Borges, e lá encontrei Alemão, China – o atacante –, Elcy,
Adelmo e Leduar, logo me identificando com eles – contou.
AMOR ÀS PELADAS
Jamais
botou na cabeça levar futebol a sério, pois não pensava em tornar-se um profissional.
Depois de ter jogado em 1957, desapareceu do Sport. Voltou às quadras e aos
campos de pelada, sem maiores compromissos. Terminou defendendo o Milionários,
que reunia um grupo de veteranos que já haviam descalçado as chuteiras,
oficialmente, como Gilberto Carvalho e Schiller Diniz.
–
Eles queriam mesclar o time e me convidaram.
Mesmo
à deriva, em relação ao futebol institucional, Laxixa terminou sendo convocado
para a seleção pernambucana juvenil, juntamente com Nado, China, Gildo (o
ponta-direita), Norberto, Fred, Lula Vasquez e vários outros que mais tarde
brilhariam no futebol profissional.
AO LADO DOS ÍDOLOS
Corria
o mês de novembro de 1958, quando Cier Barbosa, um olheiro que o Vasco mantinha
em Pernambuco, fez-lhe um convite para ir defender o clube de São Januário, na
época, um conhecido reduto pernambucano, principalmente de jogadores saídos do
Sport. Inicialmente não topou, o que agradou aos seus pais, Todavia, foi
convencido pelos amigos a aceitar o convite.
Os
clubes pernambucanos não viam Cier Barbosa com bons olhos, pois consideravam-no
um aliciador de jogadores em formação. Do próprio Sport ele arrebatara Vavá e
Almir encaminhando-os ao mesmo destino para o qual pretendia levar Laxixa, o
Clube de Regatas Vasco da Gama. Mesmo que Laxixa fosse amador, Cier não queria
que os dirigentes rubro-negros tomassem conhecimento para que a viagem não
fosse por eles torpedeada.
Assim,
num sábado, início de dezembro, o pai e os amigos, da Madalena, iam ao
aeroporto desejar-lhe boa sorte. Num abrir e fechar de olhos, Laxixa ver-se-ia
cara a cara com ídolos cujas fotos guardava em álbuns publicados pelas revistas esportivas, como Beline e Orlando, campeões mundiais em 1958, Sabará, Pinga,
Barbosa e Doutor Rúbis – os dois
últimos, dois ou três anos antes tinham vestido a camisa do Santa Cruz.
AMIGO E PROTETOR
Almir,
o Pernambuquinho, colega de Laxixa nos tempos do Colégio da Madalena, já dava
as cartas no futebol carioca.
Encabulado,
pronto para fazer seu primeiro treino no Vasco, ainda no vestiário, Laxixa
ficou emocionado com um gesto de Almir, um jogador que carregaria até o fim da
vida – interrompida por uma bala na testa numa briga de bar em Copacabana – a
fama de ser valente e ao mesmo tempo leal aos companheiros.
–
Olha aí, moçada, esse aqui é meu amigo de infância. Jogamos juntos quando
éramos meninos, no bairro onde a gente morava. Logo, qualquer coisa com ele eu
entro – advertiu o atacante.
Almir, amigo de infância |
CHORANDO DE SAUDADE
Entre
dezembro de 1958 e janeiro de 1959, o Vasco participava, juntamente com o
Flamengo e o Botafogo do supercampeonato carioca, que, como nada decidiu,
originou o badalado hipercampeonato, ou seja, um súper depois de outro.
Enquanto
isso após o segundo treino no clube da Colina, Laxixa tinha sua contratação
recomendada pelo técnico Gradim. (Este, uma década depois mudava-se para
Pernambuco, onde dirigiu o Santa Cruz e o Náutico).
–
Logo, o diretor de futebol Jaime Soares Alves, veio falar comigo, mas eu
ponderei que precisava antes vir ao Recife para resolver assuntos particulares.
Na verdade, era uma desculpa, pois embora tivesse feito um bom ambiente, vivia
em conflito comigo mesmo, pois sentia saudades e chorava quase diariamente –
revelou o craque.
Em
fevereiro de 1959, o Vasco acertou dois amistosos na capital pernambucana contra
o Santa Cruz e o Sport. Laxixa pediu para viajar uma semana antes, combinando
que no Recife juntar-se-ia à delegação.
Realmente
esteve no hotel, mas apenas como visitante, de nada valendo as ponderações de
Gradim e dos jogadores vascaínos para que voltasse com eles para o Rio. Resolvera
ficar em Pernambuco, uma vez que não suportava estar longe da família – a temporada
que havia passado na então Capital Federal tinha valido como um teste duro e
definitivo a respeito de suas aspirações no futebol.
CONTRATO ENGAVETADO
O
Vasco ficou apenas na lembrança de Laxixa, que imediatamente reassumiu o
emprego, posto que não se demitira, apenas havia tirado uma licença.
O
futebol de salão e as peladas voltaram a fazer parte de sua rotina. Até que um
dia, a convite de Waldomiro Silva, treinador dos juvenis do Santa Cruz, o time
do seu coração, Laxixa disputou uma preliminar pelo Tricolor a fim de que o
técnico dos profissionais, Gentil Cardoso, pudesse observá-lo.
Foi
aprovado na hora e convidado a comparecer ao Arruda para assinar contrato.
Todavia, o Sport descobriu e logo o treinador Capuano, do juvenil, estava em
sua casa dizendo que o clube não o liberaria, aconselhando-o a se apresentar na
Ilha do Retiro ao técnico dos profissionais, o argentino Dante Bianchi.
–
Fui, treinei e abafei – recordou Laxixa.
Veio
o primeiro contrato, que ficou engavetado, como era hábito, já que estando para
completar 19 anos, Laxixa ainda tinha idade para jogar pelos juvenis. E foi o
que aconteceu, tanto que disputou a final do campeonato da categoria contra o
Santa Cruz.
A
disputa foi equilibrada. Cada time venceu uma partida da melhor de três, o que
levou a decisão para um terceiro jogo. Laxixa viveu sua primeira frustração no
futebol.
–
Estávamos ganhando por um a zero até os 25 minutos do segundo tempo, quando o
Santa Cruz virou e ganhou o campeonato. Naquela manhã saí de campo arrasado e
tive vontade de largar o futebol ali mesmo. Mas logo mudei de ideia porque
tinha deixado o emprego e precisava enfrentar a situação.
O
ano seguinte, 1960, já representaria um avanço na ainda incipiente carreira de
Laxixa, que jogou todo o campeonato de aspirantes, mas concentrando-se com os
profissionais.
–
Fiz um campeonato tão bom, que em dezembro foi formada a seleção de jogadores
até 23 anos, e dos escolhidos, o único que não era titular no seu clube fui eu.
– relembrou.
Goiano,
um ex-corintiano que defendia o Sport, recomendou-o ao Timão. Já o
lateral-esquerdo Mourão indicou-o ao Santos. Chegou a ser abordado pessoalmente
pelo técnico Lula, da equipe de Pelé, porém, como já tinha contrato de
profissional, as coisas tornaram-se mais difíceis.
No
início de 1961, precisando fazer caixa, o Sport realizou uma excursão ao Norte.
O Leão estendeu seu giro até Paramaribo, capital do Suriname, antiga Guiana
Holandesa, tendo ficado 80 dias fora do Recife. Laxixa voltou como reserva de
Bentancor, um uruguaio que até hoje é lembrado pelos rubro-negros mais antigos,
por causa do futebol fino que jogava. Além disso era leal, tanto que defendia
ardorosamente um lugar para Laxixa no time leonino.
O uruguaio Raul Bentancor |
RICHAS COM PALMEIRA
A
chance que Laxixa almejava veio com a saída do volante Gilson Costa, que voltou
a defender o Náutico, seu clube de origem. Palmeira utilizou inicialmente
Michel, ex-Santos. Bentancor queria que Laxixa trocasse de lado e passasse a
atuar pela direita, pois assim tinha vaga assegurada na equipe. Mesmo sem
gostar de marcar, concordou. Ganhou a posição e ajudou o Sport a sagrar-se-
campeão pernambucano de 1961.
Todavia,
caiu em desgraça diante do técnico. Com 20 anos, o mais novo do grupo, certa
noite, antes do jantar, soltou um buscapé na concentração, assustando o goleiro
Manga – não o pernambucano, mas o que tinha vindo do Santos, que chegou a cair
da cadeira, arranhando um braço.
Temperamental
como era, Palmeira repreendeu o jovem volante, ameaçando vetar a permissão que
lhe havia sido dada para ir ao colégio assistir à aula noturna quando estivesse
concentrado. A ameaça não foi cumprida, no entanto, no ano seguinte veio o
castigo.
–
Vou contratar Sarará ao São Paulo, e você que se vire – sentenciou, vingativo,
o treinador.
Para
não sobrar, com a chegada de Sarará para seu lugar, Laxixa aceitou jogar na
ponta esquerda, embora sem ter muito macete para a posição. No fim do
campeonato, recebia a faixa de bicampeão.
PALPITE OUSADO
As
broncas com Palmeira não terminaram aí. Depois de um jogo da antiga Taça Brasil
contra o Ceará, em Fortaleza, o técnico disse-lhe para avisar ao pessoal que
ninguém deveria sair. Laxixa deu o recado, mas foi logo dizendo que iria
comemorar a vitória, que valera o título de campeão do Norte, uma competição
que era disputada pelos times do Norte-Nordeste, dentro da Taça Brasil.
Pouco
tempo depois, na Ilha do Retiro, o Sport estava derrotando o Santos por 1 x 0,
gol do centroavante Adelmo. Era o grande Santos de Gilmar, Pelé, Coutinho,
Dorval e Pepe. A equipe santista tinha acabado de sagrar-se bicampeã mundial de
clubes, goleando o Benfica, em Lisboa, por 5 x 2. No intervalo da partida, por
achar que o Sport estava jogando errado, Laxixa fez uma sugestão ao treinador:
–
Seu Palmeira, o senhor tá mandando Elcy lançar pelo alto, mas Djalma e Adelmo
não ganham uma de Mauro, que, além da altura, tem uma grande impulsão. Por
baixo, na velocidade, os dois estão ganhando todas. Inclusive, já tivemos a
chance do segundo gol.
À
sua maneira, Palmeira reagiu diante da ousadia do jovem jogador:
–
Você é o novo técnico? Saia. Entra Sarará.
Bentancor,
capitão do time, figura bastante respeitada na Ilha, ponderou:
–
Laxixa tá certo.
Não
houve diálogo, e o volante, que acabara de ser bruscamente substituído, deixou
o vestiário soltando os maiores impropérios.
No
finzinho do jogo, a famosa tabelinha Pelé-Coutinho voltou a funcionar, e o
Santos empatou o jogo, por intermédio de Coutinho. No segundo encontro, no
Pacaembu, em São Paulo, os santistas aplicaram uma goleada de 4 x 0, gols de
Coutinho.
Vale
salientar que a equipe rubro-negra viajou gratuitamente num pouco confortável avião
da FAB (Força Aérea Brasileira), conseguido pelo presidente da FPF, Rubem
Moreira, por uma questão de economia. Os leões chegaram à capital paulista, às
11 horas, para jogar às 21, ou seja, apenas 10 horas depois.
COM O SPORT EM NOVA YORK
Em
1963, o Sport, com a interferência de Rubem Moreira, participou, como representante
do Brasil, do Torneio Internacional de Nova Iorque, que se realizava anualmente,
sempre com a presença de um time brasileiro.
Formada
a delegação, de última hora descobriu-se que Palmeira não havia incluído Laxixa
na delegação. Os jogadores não concordaram. Comandados por Bentancor e pelo
dirigente Antônio Alexandrino Palmeira, Palmeirão – pai do mais tarde craque de
futsal Calípio –, fizeram pressão. O volante terminou sendo convocado.
– Naquele torneio – recordou Laxixa – vi um
cracão que estava surgindo no futebol mundial. Era o inglês Bobby Moore, que
jogou contra nós, quando empatamos por 1 x 1 com o West Hans.
Chegada do Sport a Nova York em 1963: Laxixa, Zé Ramos (massagista), Juths, consulesa Dora Vasconcelos, Garrinchinha, Leduar, Baixa e o radislista Lelino Manzela |
Em
1964, após a aprovação no vestibular de economia, Laxixa decidiu descalçar as
chuteiras precocemente e encarar a vida longe dos estádios, não obstante ter
recebido um convite do superintendente do Flamengo, Aristóbulo Mesquita, para
defender o rubro-negro carioca.
AJUDA A EX-COMPANHEIROS
Passou
a trabalhar em banco, inicialmente no Itaú, para onde foi levado pelo dirigente
João Caixero, do Santa Cruz, e depois no Mercantil de Pernambuco, onde durante
muito tempo ocupou o cargo de gerente.
Muito
bem relacionado, podia ser visto, depois de aposentado, batendo papo
diariamente na entrada do Parque da Jaqueira.
Aposentado, tinha o Parque da Jaqueira como seu reduto |
Laxixa
era figura carimbada em eventos, como o Dia do Boleiro e o Encontro dos
Cansadinhos do Pina, que reúnem anualmente ex-jogadores e familiares em
comemorações de fim de ano. Solidário com os amigos, estava sempre ajudando
alguns que o procuravam, como o ex-atacante Djalma, com quem atuou no Sport e
por quem tinha uma afeição especial.
Certa
vez, Paixão, um empresário português de futebol, ao ver no Jornal do Commercio uma reportagem que escrevi sobre Djalma,
mostrando que ele dependia muito da ajuda de amigos, telefonou-me, dizendo ter
ficado emocionado.
–
Djalma foi meu ídolo no Futebol Clube do Porto. Quero ajuda-lo, tenho mil
dólares para ele. Como faço? – perguntou-me.
Aconselhei-o a procurar Laxixa e este aconselhou-o a soltar o dinheiro aos poucos para evitar
que Djalma gastasse tudo de uma vez. O português cumpriu a promessa, seguindo à
risca a sugestão do executivo bancário.
Sou suspeito para falar sobre Laxixa, por tê-lo como meu amigo. Agora uma pergunta o ponteiro esquerdo nessa foto é o Nilton Adriao ?
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