A
trajetória do secular Campeonato Pernambucano está cheia de casos, geralmente originados
pela emoção que às vezes domina o gramado e se espalha pela plateia.
No
livro História dos Campeonatos, de
José Maria Ferreira, há na página 56 uma nota explicativa sobre o certame de
1926, levantado pelo Torre:
“O
campeonato de 1926 foi dos mais confusos, com muita briga envolvendo os clubes
e a entidade máxima. Uma nova liga, a APEA (Associação Pernambucana de Esportes
Atléticos), foi criada, com a presença de América, Sport e Centro Esportivo
Peres. A briga só durou dois meses, com os alviverdes e rubro-negros voltando
ao certame da LPDT (Liga Pernambucana de Desportos Terrestres) em sua parte
final.
Torre, campeão no confuso ano de 1926 (blogspot.com) |
O
Peres, mais radical, ficou de fora, abandonando de vez o campeonato. Era uma
equipe muito fraca e não reunia condições para participar das disputas. A sua
última participação no certame da LPDT aconteceu no ano de 1924, quando foi
eliminado da competição pelo Conselho da Liga.”
(Na
realidade, com a eleição de Cícero Brasileiro de Melo, à presidência da LPDT,
América e Sport, que levaram o desvalido Peres, de lambuja, para a nova liga,
sentiram que não tinham a mesma força de antes, perante o novo presidente
recém-empossado. Um bloco formado por Santa Cruz, Náutico, Flamengo e Torre tornara-se
mais poderoso.
Dessa
forma, os presidentes Roberto Rabello (Sport), José Fernandes Filho (América) e
João Duarte Dias (Peres) juntaram-se a alguns clubes suburbanos e fundaram a
APEA.)
AGAMENON INTERVÉM
Mais
adiante, em 1943, já no profissionalismo, o interventor Agamenon Magalhães,
torcedor do Santa Cruz, precisou intervir para evitar que uma crise que havia
sido instalada, se alastrasse. Vejamos uma parte do capítulo “Agamenon acaba
crise”, do livro “História do Futebol em Pernambuco”, do jornalista Givanildo
Alves:
“Tudo
começou por causa de uma partida de juvenis entre Sport e Náutico, a 28 de
fevereiro, na Ilha do Retiro, decidindo o título do ano anterior. O alvirrubro
ganhava de 1x0, mas no segundo tempo o Sport vira para 2x1. Quando faltavam 2
minutos para acabar a partida, um jogador do Náutico agrediu um do Sport,
gerando-se daí grande confusão que terminou com a invasão do gramado pelos torcedores.
Serenados os ânimos, o Náutico não quis mais jogar, abandonando o campo.
Dias
depois, ao analisar a súmula do encontro, dirigido pelo árbitro Manoel Santos,
o presidente da Federação, coronel Sidrack Correa de Oliveira, um homem muito
apegado às leis, representou contra o Náutico junto ao Conselho da entidade e
este resolveu mandar um ofício ao clube alvirrubro, censurando-o pelos
lamentáveis acontecimentos verificados na partida de juvenis.”
NÁUTICO REAGE
Formou-se
um tremendo quiproquó. O Náutico não aceitou a repreensão e queria que a
Federação a retirasse. Ameaçou tirar o time do campeonato, não de juvenis, mas
de profissionais, que já estava no segundo turno – o Timbu havia ganho o
primeiro. Os alvirrubros foram suspensos por 10 dias, tendo sido a tabela
alterada sem os jogos da equipe da Av. Conselheiro Rosa e Silva.
“Embora
o Náutico não fosse dono de grande torcida, diz o texto, o fato é que o público
começou a se afastar dos campos, tanto que as rendas caíram assustadoramente, o
que levou o presidente da Federação a promover outra reunião para uma análise
da crise.”
BOM PARA O SPORT
O
campeonato foi encerrado ali, com o Sport, que liderava, tendo sido considerado
o campeão do ano. Era ainda 26 de julho e foi criado um Torneio Municipal para
movimentar as equipes. “A emenda saiu pior do que o soneto. No princípio, o
povo prestigiou os jogos do torneio, mas depois as disputas foram perdendo o
brilho, e um clássico Sport e Santa Cruz chegou a render a ridícula importância
de pouco mais de 500 cruzeiros.”
Inúmeras tentativas de pacificação foram
feitas. O Conselho Nacional de Desportos (CND) telegrafou ao interventor
Agamenon Magalhães, pedindo que procurasse encontrar uma solução. Numa reunião
em palácio, o coronel Sidrack anunciou sua renúncia à presidência da Federação,
atendendo a um apelo de seu amigo coronel José Arnaldo de Vasconcelos,
comandante da Força Pública, hoje Polícia Militar. A paz voltou a reinar.”
Agamenon agiu a pedido do CND (internet) |
RUBINHO, VULGO RUBEM
PEZÃO
Em
1948, o América havia levantado o primeiro turno, e Náutico e Santa Cruz
lutavam para arrebatar o segundo. Num Clássico das Emoções houve mais uma
encrenca, assim narrada por Givanildo Alves:
“Rubinho,
centromédio tricolor, pulou para cortar um ataque do Náutico, de cabeça. Com
ele, subiu Zezinho, do Náutico, que meteu o cotovelo na cara do jogador do
Santa. O filete de sangue começa a escorrer pelo rosto de Rubinho, que cai,
desacordado.
Termina
o primeiro tempo. Nas vestiárias tricolores, seus dirigentes pedem pelo amor de
Deus a Rubinho que não revidasse. ‘Deixa isso pra lá’, aconselharam
apreensivos.
Todos
temiam uma reação de Rubinho. ‘Rubem
Pezão’, como era conhecido por causa do tamanho de seu pé: 44 bico largo.
Investigador de polícia, jamais dispensava, além do revólver, uma lambedeira de
14 polegadas
na cinta, e lá no clube Banhistas do Pina, onde morava, estava acostumado a dar
na cara de quem se metesse a besta. Era preciso, portanto, acalmar a fera...
Rubinho
jogou todo o segundo tempo sem tocar em Zezinho. Entrava de leve, como jogo de
moça. Zezinho sentia que alguma coisa estava para acontecer. Foi o juiz
encerrando o jogo (vitória do Náutico por 3x2) e Zezinho dando a maior carreira
para junto de Osvaldo Salsa, presidente da Federação, que assistia ao jogo em
companhia de Eudes Costa, chefe de polícia. Antes de chegar perto das
autoridades, Zezinho foi alcançado por Rubinho. Foi um tabefe só. O jogador do
Náutico caiu com a cara no chão.”
Osvaldo
Salsa, que além de presidente da Federação, era também alvirrubro, ficou
revoltado. “Ele nem sequer respeitou seu superior hierárquico”, dizia,
referindo-se à presença ali pertinho dele do chefe de polícia Eudes Costa.
Moral
da história: Rubinho foi suspenso por seis meses, ou 180 dias, o que levou o
Santa Cruz a ficar em pé de guerra com a Federação. O Santa deu um ultimato à
entidade, sob pena de se afastar do campeonato, no que contou com a
solidariedade do Sport. Todavia, Osvaldo Salsa não abriu a mão e mantinha a
punição a Rubinho.
OUTRO GOVERNADOR EM CENA
Em
20 de agosto, reunião no Palácio do Governo, com a presença do governador
Barbosa Lima Sobrinho, alvirrubro e ex-atleta do clube dos Aflitos. Ficou
decidido que o certame seria suspenso por 15 dias, tempo considerado razoável
para o Santa Cruz, que era bicampeão, reorganizar sua equipe, sem Rubinho,
suspenso, e Pereira, doente.
Governador Barbosa Lima Sobrinho (internet) |
“Assentada
a poeira levantada pela confusão, Salsa, que estava meio adoentado, pediu
licença da Federação e foi repousar em João Pessoa. Assumiu o vice Cardoso da
Silva, conceituado médico recifense e que não negava a ninguém sua condição de
tricolor. Foi ele assumindo o cargo e seus colegas do Santa Cruz logo
pressionando-o para baixar um ato, transferindo o reaparecimento do Tricolor
(contra o Íbis) do dia 5 para 12 de setembro. O ato foi baixado. Ao reassumir,
Osvaldo Salsa anulou o ato, alegando o acordo que tinha sido feito na presença
do governador. O Santa Cruz abandonou o campeonato.
O CND VEM AO RECIFE
“O
Santa Cruz não só deixou de ir a campo, como também mandou um desaforado ofício
à Federação, considerado-se licenciado enquanto Osvaldo Salsa permanecesse como
presidente. Estava armada outra confusão. O presidente do CRD (Conselho
Regional de Desportos), Brito Bastos tentou a pacificação, mas foi inútil.
Mário
Filho, cronista esportivo pernambucano, mas de há muito radicado no Rio de
Janeiro, foi solicitado a dialogar com as partes, porém, se recusou, dizendo
que era preciso primeiro conhecer o regulamento para emitir uma opinião.
‘Afinal, disse, eu estou aqui de passagem.’
A
1º de outubro chega ao Recife o presidente do Conselho Nacional de Desportos
(CND), João Lira Filho. Do aeroporto foi direto para o primeiro andar da Rua da
Imperatriz onde funcionava a entidade. Toma pé da situação, conversa com os dirigentes
envolvidos na crise, mas nada consegue e volta para o Rio e Janeiro sem cumprir
sua missão de pacificar os esportes pernambucanos.”
Osvaldo Salsa |
CAPIBA ENFIOU A VIOLA NO
SACO
O
Santa Cruz foi suspenso pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos) por 60
dias. O Sport foi campeão do ano, e um torcedor ilustre do Santa, o
inesquecível Capiba, renunciou ao cargo de conselheiro por ter sido o único a
votar contra o afastamento do time do campeonato. Capiba já tinha a
marcha-exaltação “O Mais Querido” pronta para lançar com a almejada conquista
de mais um tricampeonato. Botou a viola no saco, guardou a música e só pôde
soltá-la em 1958, quando Santa sagrou-se supercampeão de 1957 – Santa Cruz,
Santa Cruz, junta mais essa vitória...”
Capiba: voto solitário no Conselho |
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