O jogo entre os juvenis do
Treze e do Campinense corria solto. O empate, tratando-se dos dois principais
times de Campina Grande, pintava como o melhor resultado. Mas, de repente, depois
de um centro, surge o maior tumulto na área do Campinense. E aquele misterioso
senhor, vestido com uma bata preta, depois de muitos e variados trejeitos,
deita-se no campo, rola no gramado com o apito na boca e assinala: pênalti!
Não, a cena não aconteceu
num manicômio. Muito menos num circo. Aconteceu em pleno Amigão, diante da
torcida de toda a cidade em partida séria, valendo pelo campeonato. E aquele
misterioso senhor vestido com uma bata preta que atingia os joelhos era a
chamada autoridade máxima do gramado, sua excelência o árbitro, como diria o
austero Mário Vianna – com dois enes –, como o célebre árbitro carioca
enfatizava.
Para uns, ele era,
simplesmente, um maluco que necessitava de permanentes cuidados médicos; para
outros, um palhaço que usava dos meios mais extravagantes possíveis para
aparecer. De uma forma ou de outra, o laboratorista químico Severino Ramos
Florêncio, na época funcionário da fábrica de fogões Wallig Nordeste, na Rainha da Borborema,
casado e pai de uma menina, membro da Igreja Congregacional, tornou-se uma
figura folclórica como juiz de futebol.
Ramón Dinamite encerrando um jogo |
DENTRO DO LIMITE
Sua maneira bastante
estranha de dirigir os jogos chegou a merecer o protesto dos colegas que,
reunidos, decidiram pedir sua eliminação da Liga Campinense de Desportos, na
qual ingressou, depois de surgir no futebol de salão em 1972. Só que o
movimento não surtiu efeito, pois além de contar com o apoio da crônica
esportiva de Campina Grande, Severino, conhecido popularmente como Ramón
Dinamite, justamente por seus gestos estapafúrdios, tinha também, a simpatia do
chefe dos árbitros, que não via qualquer transgressão às leis da Fifa, nem mesmo
na bata por ele usada, o que não acontecia sempre.
– Procuro divertir o
público, principalmente quando o espetáculo está ruim, mas não desobedeço às
regras – explicava-se.
E como divertia! Ramón
Dinamite já terminou jogo ajoelhado ou sentado no centro do campo, dando uma
série de dez apitos.
Às vezes, mudava o estilo.
Corria para o lado da arquibancada e era ali que lançava o gesto característico
de encerramento do encontro, em vez de procurar o centro do gramado.
Havia também exageros, como em
certa ocasião, ainda no futsal, em que ele dirigia uma partida das Olimpíadas
Militares. O apito final foi antecedido de um salto. Ramón Dinamite pulou para
as arquibancadas e encerrou o jogo nos braços das autoridades. E nem por isso
deixou de ser aplaudido.
Outra vez, naquelas mesmas
Olimpíadas Militares, escalou uma das barras e encerrou a partida sentado no
travessão. Lá de cima abria os braços, apitava seguidamente, balançava o corpo,
ameaçava cair. A torcida vibrava,
esperando uma hilariante queda que acabou não acontecendo. E voltou a aplaudir,
freneticamente, quando Severino desceu de seu improvisado puleiro e desfilou,
faceiro, pela quadra.
SEM
IMITAÇÃO
Para os torcedores
campinenses, já acostumados às circenses atuações de seu mais popular juiz,
Severino era, acima de tudo, um ídolo. Baixinho, com seu 1,58m de altura,
começava a divertir o público já quando entrava em campo. Corria o tempo todo e
tinha um estilo que definia como próprio:
– Todos ligam minha maneira
de atuar à daquele juiz francês (Robert Wurtz) que andou pelo Brasil em 74,
quando a Seleção estava se preparando para a Copa da Alemanha. Mas não existe
imitação alguma. Se somente agora é que estou aparecendo no futebol de campo,
antes, no futebol de salão, já divertia os torcedores – disse Ramón Dinamite,
numa entrevista.
Inúmeras são as histórias
que ele protagonizou enquanto apitava. Na preliminar de um encontro do Treze
com o Ceará, jogavam duas equipes de amadores, quando dois jogadores se
desentenderam. Terminada a briga, o juiz fez com que os brigões se abraçassem.
Em seguida levou-os pelo braço à linha lateral do campo. E, diante da torcida, apresentou
o cartão vermelho aos valentões, que já se consideravam perdoados com o abraço
forçado.
GELO
NA CUCA
Num amistoso do Campinense
na cidade de Cubati, um jogador da equipe local desandou a dar pontapés. Ramón
Dinamite não conversou. Chegou perto de um dos massagistas, arrebatou a bolsa
de gelo e deu um banho no valentão. Depois explicou-se:
– Se o cara estava de cabeça
quente, nada melhor que gelo para esfriar a cuca dele.
Severino repetiu o banho várias
vezes na sua movimentada e hilariante carreira. E quando não encontrava gelo
por perto, ficava soprando a cabeça de todo jogador que mostrava sinais de
nervosismo.
SOLTA
MEU IRMÃO!
Certa vez em Serra Branca, no
Cariri paraibano, Ramón Dinamite apitava um jogo em um seu irmão, de nome Ademir,
jogador amador, atuava numa das equipes e resolveu bancar o engraçadinho.
Com dois minutos de jogo,
Severino aplicou o cartão amarelo para cima do irmão. Que não acreditou e
voltou a desferir pontapés no adversário. Recebeu o vermelho mas não queria
sair de campo.]
Severino chamou a polícia
que, sem saber de quem se tratava e como funcionava uma expulsão em jogo de futebol,
levou Ademir preso.
Ramón Dinamite nem esperou
pelo fim do jogo. Saiu correndo ao encalço dos policiais para dizer que o rapaz
tinha sido apenas expulso da partida.
REAÇÃO
DE MIRUCA
Muitas vezes, quando um time
fazia um gol, o divertido apitador apanhava a bola no fundo da rede e dava
aquele pique para o centro do campo, como se tivesse, ele mesmo, balançado a
rede. Em outras ocasiões era visto comemorando a marcação do gol junto aos
jogadores. Mas isso nem sempre acontecia.
Tombo, Severino Florêncio
levou bastante. Em muitos momentos, a torcida deixava de assistir à partida
para acompanhar sua movimentação, entremeada de muitos saltos.
Miruca, ex-jogador do Treze,
Náutico, Santa Cruz e São Paulo, foi vítima da hilaridade desse juiz. Já com a
carreira encerrada, o ex-ponta-direita estava participando de uma preliminar
entre amadores no Amigão quando, a certa altura, recebeu o cartão amarelo.
Miruca |
Por achar que era tudo uma
palhaçada e que seu passado tinha que ser respeitado, Miruca deu um pique em
direção ao juiz para tomar-lhe o cartão. Só que Severino saiu correndo também,
mostrando-lhe já não o amarelo, mas o vermelho. E não houve quem mudasse a
decisão do juiz.
VENERADO
PELA MASSA
Como sua fama cresceu
assustadoramente, era sempre convidado para dirigir amistosos nas mais diferentes
cidades da Paraíba. E onde chegava era festejado como ídolo. Em Aroeira, por
não haver vestiário no estádio, trocou de roupa na casa de um dirigente. Foi a
pé para o campo acompanhado por uma verdadeira multidão. Em Cubati e em Lagoa
Grande saiu do estádio carregado pelos torcedores.
Como não poderia deixar de
ser, foi jurado por várias “vítimas” suas, que prometiam pegá-lo depois do
jogo. Encarava a situação e a raiva do seu candidato a algoz dissipava-se numa
animada cervejada. Nada demais para quem até bandeirinha expulsou.
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