O célebre técnico Gentil Cardoso, recifense
nascido no bairro da Torre, brilhou por esse Brasil afora, inclusive em
Pernambuco, onde foi campeão pelo Sport (1955), Santa Cruz (1959) e Náutico
(1960). Também dirigiu a Seleção Pernambucana apelidada de Seleção Cacareco,
que representou o Brasil num Campeonato Sul-Americano em 1959, Mas chegou aqui
já consagrado, pois toda sua existência foi vivida no Rio. Treinou um
sem-número de equipes no território nacional. Por outro lado, entrou no
anedotário do futebol brasileiro com suas tiradas e atitudes inteligentes e ao
mesmo tempo debochadas.
Em 1946, quando foi contratado pelo
Fluminense, disse aos dirigentes do tricolor carioca, sedentos pela conquista
do título:
– Deem-me Ademir, que eu lhes darei o
campeonato.
Animada com a promessa, a diretoria do
“pó de arroz” fez um esforço quase incomensurável e tirou o atacante, também
pernambucano, do Vasco da Gama. Gastou um dinheirão, mas colocou o Queixada à
disposição de Gentil. Os cartolas do clube das Laranjeiras não se arrependeram,
pois alguns meses depois, seu time dava a volta olímpica.
A
BOLA E O BOI
É conhecidíssimo o diálogo, que certa
vez eu mesmo presenciei, quando Gentil queria que determinado jogador,
principalmente algum novato, botasse a bola no chão em vez de ficar dando bombão:
– Meu filho de que é feita a bola?
Geralmente, o atleta ficava meio
encabulado, diante do inesperado da pergunta, mas respondia:
– De couro.
E o diálogo prosseguia.
– E o couro vem de onde? – indagava o
técnico, zombeteiramente.
– Do boi.
– E o que é que o boi come?
– Capim
– Então, a bola gosta de correr em
cima da grama.
Terminado o ligeiro colóquio teatral,
Gentil, usando seu costumeiro megafone, dava o treino por reiniciado.
ENCONTRO
COM O PAJÉ
Em 1960, Gentil Alves Cardoso, oficial
da reserva da Marinha, com passagem pela Aeronáutica, foi o primeiro
profissional negro contratado pelo Náutico. O presidente Eládio de Barros
Carvalho, que procurava manter a tradição que existia desde a fundação, de não
entrar preto no clube, foi “intimado” pelos cinco Josés que dirigiam o futebol
alvirrubro a comparecer ao Aeroporto dos Guararapes para receber o novo
treinador timbu. Ao ser apresentado ao Pajé, como Eládio era conhecido, Gentil
Cardoso provocou gargalhadas da plateia formada ao seu redor, quando perguntou:
– Presidente, o que é que há com o
nosso clube?
O
CARTEADO
No Vasco da Gama, estava na
concentração com os jogadores, quando chegaram alguns dirigentes, numa visita
de surpresa. Ao avistá-los, o treinador, raposa velha, tratou logo de rasgar o
baralho, com que um grupo de jogadores se divertia, com sua conivência. Ao
mesmo tempo, aos berros, dava um senhor esporro na boleirada para impressionar
os cartolas:
– Eu já disse mil vezes que não quero jogo
aqui!
Assim que os dirigentes saíram, todos
eles satisfeitos com a rígida disciplina mostrada por Gentil, a turma botou o
treinador no canto da parede:
– Tá certo que você desse bronca, mas não
precisava exagerar, rasgando o baralho. Agora tem que comprar outro.
Meia hora depois, o jogo era reiniciado com um
novo baralho e todo o barulho a que tinha direito.
MAIS
GOL, POR FAVOR
O time vascaíno foi ao interior do
Maranhão realizar um amistoso, numa excursão pelo Nordeste. Na época não
existia Campeonato Brasileiro, e os times saíam rodando o Brasil ou se mandavam
para o exterior em busca de dinheiro para saldar os compromissos. No amistoso,
o Vasco estava dando um vareio de bola.
Depois de fazer 6 x 0, a equipe
carioca baixou a bola e ficou só na base do toque, sem correr muito. Gentil, de
contrato para terminar e pensando na renovação, gritou:
–- Mais gols, meus craques, porque o
papai aqui precisa impressionar os homens do clube
Foi atendido: 10 x 1.
UM
VELHO CONHECIDO
Numa das vezes em que esteve no Vasco,
o técnico Gentil Cardoso foi apresentado aos jogadores, um a um. Pelotão
formado no gramado, um dirigente ia anunciando o nome do atleta, Gentil apertava
a mão do apresentado, pronunciava algumas palavras e ia em frente.
Havia entre os jogadores alguma
expectativa a respeito de Nado. Um dos grandes ídolos da torcida do Náutico, o
famoso ponta-direita tinha chegado a São Januário em 1966. Quando soube da
contratação do Velho Marinheiro, uma das alcunhas de Gentil, que o técnico muito
apreciava, Nado disse aos companheiros que não esperava tempo bom com o novo
treinador. Tudo por conta de uma altercação no início de sua carreira, na época
em que Gentil comandava a equipe do Náutico, e Nado estava em início de
carreira, saindo do aspirante para o profissional. Depois de uma discussão, o “baixinho”
não teve mais chance com ele, que Ênio Andrade o substituiu em meio ao
campeonato do ano seguinte (1961), passando a atuar duplamente, como treinador e
jogador do time dos Aflitos.
Ali naquela tarde carioca, quando
chegou a vez de Gentil ser apresentado a Nado, baixou um silêncio quase
sepulcral no ambiente, como diria o também pernambucano Nelson Rodrigues. Havia
o receio de que o técnico soltasse uma de suas ‘heresias’ com o seu
ex-comandado no Timbu.
– Esse eu conheço de velhos carnavais.
Venha cá, meu craque, me dê um abraço – disse Gentil, provocando uma enorme
risadagem e puxando Nado para o amplexo, como se dizia em priscas eras.
A verdade é que o treinador sabia o
terreno onde estava pisando e não iria começar o novo trabalho botando a mão em
cumbuca. Além de ter a torcida a seu lado, Nado era muito querido entre os
jogadores pelo seu jeito brincalhão e por causa das anedotas, ou histórias verdadeiras,
que contava, levando a turma a se derreter de rir.
LEMBRANDO
NAPOLEÃO
O Vasco ia entrar em campo para um
clássico no Maracanã. O técnico Gentil Cardoso lembrou-se da célebre frase do
general Napoleão Bonaparte, dirigida aos seus soldados, no Egito, numa das
margens do Rio Nilo.
– Do alto destas pirâmides, 40 séculos
vos contemplam.
Naquele dia, ao ver o Maracanã cheio,
o treinador para incentivar seus jogadores, resolveu imitar o grande militar e
estadista, justamente quando o time formava para subir os degraus que levavam à
boca do túnel:
– Diante desse gramado, 100 mil
pessoas vos contemplam.
– Ora, não enche – disse um deles, que
estava na ponta dos cascos para adentrar o campo. Com ar de profundo desgosto,
o “filósofo” Gentil resmungou:
– Para eles, Napoleão não passa de um
simples conhaque.
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