Toco, travo e canela


Devoto de araque e o vendedor de mel

O quarteto Ernesto Cavalcanti, hoje um bem sucedido advogado criminalista, Hélio Ferreira, Severino Leandro e Elifas Levi, componentes do quadro de árbitros da Federação Pernambucana de Futebol, voltava de Serra Talhada para o Recife, depois de ter atuado num jogo do Campeonato Pernambucano, na terra de Lampião, o Rei do Cangaço. Era o tempo do Comercial, que precedeu o Ferroviário, o Serrano e o atual Serra Talhada, como representante da importante cidade sertaneja no Estadual.

Viagem tranquila pela BR-232, sem medo de assalto, que ainda não havia. Uma paradinha aqui para uma água mineral, outra paradinha ali para um cafezinho, até que chegaram a Custódia. À beira da estrada, vários tabuleiros com mel de abelha à venda. Hélio Ferreira resolveu levar uma garrafa para casa. A Brasília em que viajavam, parou junto a um daqueles bancos em que o produto estava exposto.



Hélio examinou algumas garrafas e aprovou uma cujo produto era de uma transparência que dava gosto. Ao mesmo tempo, o comerciante, um cidadão já chegado nos anos, fazia a propaganda de seu produto, dizendo que o mel era puríssimo.
– Pegue, então, uma garrafa no capricho, pois eu estou confiando na sua palavra – disse o árbitro.
– Pode levar que o meu mel é garantido – reforçou o vendedor.

O homem já estava embalando a mercadoria, quando Hélio avistou uma imagem do padre Cícero, num lado da banquinha. Por pura intuição, na base da brincadeira, o freguês botou o vendedor em xeque-mate:
– Estou levando porque o senhor me garantiu. Tem que ser puro, pois é pra pagar uma promessa que fiz ao meu padim pade Ciço.
Foi como se um raio tivesse caído entre os dois. O homem tomou um enorme susto e ficou embaraçado ao saber que o mel que estava vendendo teria um destino tão nobre. Logo para quem? Para o santo de sua veneração, diante do qual não podia farrapar. Botou a garrafa para um lado e sentenciou:
– Se é pra isso, esse mel não serve porque tem um pouquinho de mistura. Mas ali na frente, no terceiro banco, o senhor encontra mel cem por cento puro. Leve o de lá...

Ao dar sem querer um susto no homem, Hélio Ferreira escapou de consumir o mel batizado.
Valeu sua devoção, de araque.



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