Ex-jogador do Newell’s que mora no Recife visitará os argentinos


Quando os argentinos do Club Atlético Newell’s Old Boys estiverem no Recife no próximo fim de semana para participar da festa de reabertura do Estádio Eládio de Barros Carvalho, receberão uma visita para eles inesperada. Trata-se de um ex- jogador do clube da cidade de Rosário, a terceira em população do país vizinho, localizada na província de Santa Fé.
– Vou visitá-los, com certeza.

Não causaria o menor espanto, se a cena anunciada pelo alagoano Mourão – CRB-AL, América-PE, Santos-SP, Sport-PE, Grêmio-RS e Newell’s Old Boys-ARG – ocorresse num dos Estados do Sul do Brasil, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, ou mesmo em São Paulo ou Rio de Janeiro. Porém, sair de tão longe para encontrar no Nordeste do Brasil uma pessoa que já viveu tão intensamente a intimidade do clube, é algo, sem dúvida, inusitado.
– Joguei lá, de 1964 a 1966, quando encerrei minha carreira. Participei de um momento importante para a história do clube, que foi a volta à Primeira Divisão argentina. Depois que parei, voltei a morar no Recife.

Mourão hoje já não tem vizinhos. Só lojas.
SAFRA DE BRASILEIROS

Manuel da Rocha Mourão, apesar de já estar com 85 anos de idade ainda se emociona com fatos que dizem respeito a seu ego e sabe que o coração baterá intensamente no momento do reencontro.
Ele chegou a Rosário, numa época em que o Newell’s contratava brasileiros constantemente. Antes de sua chegada, a imprensa referia-se ao “time dos nove brasileiros”.
O mais importante de todos foi o lateral Roberto Belangero, que só vestiu as camisas do Corinthians, do Newell’s e da Seleção Brasileira. No clube paulista até hoje é considerado um dos maiores valores que passaram por lá. Na Seleção participou das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, e só ficou no meio do caminho por causa de uma lesão.
Com tanto compatriota no novo clube, não foi difícil a adaptação de Mourão.
– Quando cheguei dei de cara com três jogadores que tinham sido do Grêmio, Ivo Diogo, Adroaldo e outro que não me lembro do nome.
Aos poucos foi absorvendo os hábitos da cidade, mas como já acontecera no Rio Grande do Sul, não conseguiu se agradar do chimarrão, que lhe era constantemente oferecido. Tinha a resposta na ponta da língua.
– No me gusta.  
Mourão só não te
m os habituais recortes de jornais e revistas sobre sua passagem pelo clube argentino.

VITAMINA BC

Mourão tinha acabado de prestar o serviço militar em Maceió. Jogava no CRB, quando foi informado de que uma pessoa procedente do Recife estava na capital alagoana para contratá-lo. Era Vicente, goleiro do América, que depois defenderia o Santa Cruz e o Náutico. Ao procurar se informar junto ao também goleiro Epaminondas, teve mencionado, de cara, o nome de Mourão.


América, campeão do Torneio-Início de 1955. Em pé, Perinho, Miguel, Antoninho, Claudionor, Gilberto Faria e Mourão; agachados,Jarbas, Moacir, Mitchel, Dario e Gilberto II

 Vicente, que depois de descalçar as chuteiras tornar-se-ia árbitro, como Vicente Lobão, tratou de convencer os pais de Mourão a consentir na saída do filho, embora este já fosse de maior. Não houve problema para receber o consentimento do sr. Manuel Mourão Filho. Duro foi quebrar a resistência de dona Tertuliana, muito zelosa e cuidadosa com Nezito, como ele era conhecido na intimidade familiar.

 – Deixar o menino sair... O Recife é muito grande – argumentou ela. Mas para a alegria de Mourão, que acompanhava a conversa, de um quarto, prevaleceu a vontade do pai.
Logo, Mourão estava assinando contrato com o América e substituindo o lateral esquerdo Astrogildo, como podemos ver nesta escalação de 19/12/1954, num jogo contra o Náutico: Vicente;  Dadá e Antoninho; Claudionor, Gilberto e Mourão; Jarbas, Moacir, Dario, Bujan e Gilberto II.

Mais tarde jogaria também pelo Sport, como atesta esta escalação de 6/11/60 num clássico com o Náutico: Manga; Bria e Sinval; Gilson Costa, Tomires e Mourão; Djalma, Bé, Osvaldo, Bentancor e Elcy.  

O ÚLTIMO DOS MOICANOS

Certo dia, passando pela Rua do Aragão, agradou-se de uma casa que estava posta para ser alugada. Entrou em contato com o proprietário, tomou Rubem Moreira, ainda dirigente do América, como avalista e ocupou o imóvel para nunca mais sair. Posteriormente, trouxe a mãe, que ficara viúva, para residir na capital pernambucana.

– Era o tempo das cadeiras na calçada, pois não havia televisão e nem assalto.
Atualmente, a Rua do Aragão, onde Mourão ocupa há décadas a casa de número 128, está toda tomada por movelarias. Só resta, como residência, a do ex-jogador.
– Aqui, passando uma casa era a delegacia da Boa Vista – recorda.
É conhecido o carinho que Mourão dedica aos gatos que circulam pelo setor à procura de alimentação. Não se sente bem em vê-los sofrendo. Assim, cerca de 30 felinos frequentam o quintal e às vezes até alguma dependência da casa, em busca de alimento e água, o que sempre encontram.

Na área, todos conhecem e respeitam o alagoano pernambucanizado. O corpo não aparenta os 85 anos que ele tem. Come de tudo, não faz dieta, toma sua cervejinha, geralmente à noite, mas repudia cachaça. Atribui sua vitalidade a uma tal de vitamina BC. Ironicamente dá a definição para esse fortificante que tanto o ajuda:
– É a vitamina Brahma Chopp...

CACETEIRO

Esta fama sempre acompanhou Mourão. Quando defendia o América eram célebres seus encontros com o lépido ponta-direita Traçaia, do Sport. O lateral alviverde não dava tréguas ao mato-grossense. Mourão aproveita o assunto para contar uma passagem vivida no Santos por ele e o técnico Lula – Luís Alonso Pérez, que dirigiu a equipe santista de 1954 a 1966.
– Nós íamos enfrentar o Botafogo pelo Rio-São Paulo. Lula me chamou e disse que se eu deixasse Garrincha tomar conta do jogo, no dia seguinte não seria mais jogador do Santos. Pepe que ouviu a advertência de Lula, soltou uma gargalhada dizendo: “Mourão já bate sem ninguém mandar, e com uma ameaça dessas, ele vai matar Mané.”

Equipe do Santos. Em pé, Lalá, Getúlio, Pavão, Zito e Mourão; agachados, Dorval, Afonsinho, Jair, Pelé e Pepe


Conta-se no Rio Grande do Sul, que num jogo do Grêmio contra o São José, Mourão tinha a incumbência de marcar o ponta-direita Mossoró. Na primeira bola, o alagoano pernambucano entrou sem dó e piedade e jogou o adversário fora de campo. Depois disso, Mossoró foi atuar na meia-cancha, marcando o centromédio Elton, do Grêmio e nunca mais apareceu na ponta. Na época não havia substituições, mas o técnico do São José ameaçou Mossoró de tirá-lo do time por covardia.

 MOURÃO POR ELE MESMO

Uma publicação do Grêmio trouxe há alguns anos um resumo da carreira de Mourão, segundo relato feito por ele mesmo:

Iniciei minha carreira como amador no CRB de Maceió-AL, como amador, em 1952, com 18 anos.

Em seguida fui transferido, em 1954 para o América do Recife-PE, já como profissional.
Em 1957 fui contratado pelo Santos Futebol Clube na era Pelé, onde a formação era: Manga; Pavão e Mourão; Ramiro, Formiga e Zito; Dorval, Jair, Pagão, Pelé e Pepe.
Em 1960 retornei ao Recife-PE para jogar no Sport Club, campeão brasileiro (Copa do Brasil) de 2008.

Em 1962 fui para o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, onde a formação era: Germinaro; Orlando, Airton, Ênio Rodrigues e Mourão; Elton e Milton; Rudimar, Gessi, Juarez e Vieira.
Em 1964 fui transferido para o Club Atlético Newell’s Old  Boys, em Rosario, na Argentina, tendo encerrado minha carreira em 1966.

Conquistei os seguintes títulos e resultados entre os principais:

Pelo Grêmio: Na disputa do tricampeonato gaúcho de 1958, emprestado ao Grêmio pelo Santos sagrei-me campeão. Em 1962 e 1963 fui bicampeão estadual.

Pelo Santos: Campeão do Torneio Rio-São Paulo, 1959
Taça Thereza Herrera, em La Coruña- Espanha, 1959
Taça do Rei, em Valência – Espanha, 1959.

Jogos amistosos em 1959: 

Com a Inter de Milão, com o score de 7 x 1 para o Santos
Com o Barcelona da Espanha, com o score de 5 x 1. 
Na decisão da Taça Thereza Herrera, em La Coruña, Espanha, contra o Botafogo-RJ, de Nilton Santos, Pampollini, Didi, Paulo Valentin, Quarentinha e Mané Garrincha, ganhamos por 4 x 1.

Newell’s Old  Boys:

Fui campeão da segunda divisão argentina, colocando de novo o clube na segunda divisão em 1964.

Atualmente moro em Recife-PE

Com o futebol disputei partidas em diversos países da Europa e América do Sul (Portugal, Espanha, Itália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Uruguai, Paraguai e Chile).
Lembro-me que o famoso João Saldanha, então técnico do Botafogo-RJ, após um amistoso com o Grêmio, em 1958, deu uma declaração dizendo: “O Mourão só faltou pegar o pau da bandeira do corner para bater no Mané Garrincha.” Então, eu disse: “O Mané diz que todo mundo para ele é João. Eu sou o Mourão.”


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